Assistindo "Gaivotas" é quase impossível não nos remeter à influência de Eugène Ionesco na obra do autor Matéi Visniec. Disse ele certa vez:
“Depois de ler as peças de
Ionesco, nunca mais tive medo na vida. Mais do que qualquer sistema filosófico
ou livro de sabedoria, foi Ionesco que me ajudou a compreender o homem e suas
contradições, a alma humana, a vida e o mundo”. A solidão dos personagens, a
quase não existência, quase transformados em bonecos do cotidiano expressam a
insignificância humana bem presentes no Teatro de Ionesco. É bom destacar que a
adaptação de Fernando Philbert nos reflete e nos faz pensar, pois já estamos em
completo absurdo na própria vida real.
"Gaivotas", texto
de Matéi Visniec que, fugindo da ditadura de Ceausescu na Romênia se refugiou
na França, mostra esta solidão. Os personagens buscando o amor só encontram
barreiras criadas por si mesmos ou pelas situações de vida. Dois escritores e
uma atriz, sem plateia, numa realidade coberta de gelo, metáfora muito
pertinente, nada mais produzem, sem espectadores, num triângulo amoroso com um
desfecho inesperado.
A adaptação de Fernando
Philbert introduz a realidade pandêmica de teatros fechando, da ausência de
público, da realidade nua e crua que o autor sempre esboçou em seus
questionamentos sobre o fim do Teatro. O teatro um dia deixará de existir? Não
creio.
O texto, inspirado em
"A Gaivota" de Thekhov, retrata os conflitos das relações estabelecidas entre Konstantin, um escritor
fracassado e seu amor pela atriz Nina que fora casada com outro homem chamado Boris. Este, por sua
vez, teve um relacionamento com a mãe de Konstantin. Esse reencontro dos personagens, após 15
anos, proposto por Visniec, expõe ódios, frustrações, solidão daquelas de
tremer todo o corpo envolto em gelo, literalmente, porém com uma mensagem de
esperança.
A adaptação coloca o
espectador bem próximo aos personagens, pois mescla seus rumos com a situação
atual.
A direção de Fernando
Philbert de teatro-metragem tem a linguagem adequada ao vídeo, há o plano geral, mas também há o ponto de
vista do ator através da câmera subjetiva , além de justaposições, tornando
dinâmico o espetáculo, explorando as tensões , trazendo belas imagens.
No que concerne aos atores,
é importante destacar o trabalho de Paulo Giardini, interpretando Boris. Há
nuances e coloridos em seu texto, bem como na composição do personagem. Sua entrada
traz uma mudança necessária ao desenvolvimento da trama. A atriz e produtora Bibiana
Rozenbaum tem um desempenho emocional, conferindo extrema verdade à sua
personagem Nina. A cena em que pisa no palco, um simples pano branco
representando o Teatro, é um ponto alto. O desempenho do ator que faz
Konstantin, Savio Moll, começa em alto nível e, por isso mesmo, incompreensível
seu desenrolar tão pouco carismático. O desempenho do ator se torna ao longo do
espetáculo, para o espectador, frio e distanciado.
O cenário de Natália Lana é perfeito.
Em meio a tanto gelo criado de forma muito criativa há cadeiras de uma plateia
muito reais. Esse detalhe torna tudo muito mais próximo do espectador brasileiro.
A plateia com suas cadeiras daquelas de
madeira, antigas, trazem um recorte do que vivemos antes de tudo, antes do
nada.
O figurino de Marieta Spada
com fidelidade nos transporta aos personagens daquele tempo e lugar.
A música original de Marcelo
Alonso Neves é envolvente e acentua todas as atmosferas.
Recomendo o espetáculo por
acreditar que nos faz pensar no tempo presente. O Teatro tem o dom de nos
espelhar. Alguns percebem, outros não, mas estamos ali naquelas gaivotas que
não conseguem, por enquanto, alçar voos.
Serviço:
Sexta a domingo até 10 de outubro, às 20h.
YouTube Sesc- RJ
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