domingo, 3 de outubro de 2021

Gaivotas

 

Assistindo "Gaivotas" é quase impossível não nos remeter à influência de  Eugène Ionesco na obra do autor Matéi Visniec. Disse ele certa vez:

“Depois de ler as peças de Ionesco, nunca mais tive medo na vida. Mais do que qualquer sistema filosófico ou livro de sabedoria, foi Ionesco que me ajudou a compreender o homem e suas contradições, a alma humana, a vida e o mundo”. A solidão dos personagens, a quase não existência, quase transformados em bonecos do cotidiano expressam a insignificância humana bem presentes no Teatro de Ionesco. É bom destacar que a adaptação de Fernando Philbert nos reflete e nos faz pensar, pois já estamos em completo absurdo na própria vida real.

 

"Gaivotas", texto de Matéi Visniec que, fugindo da ditadura de Ceausescu na Romênia se refugiou na França, mostra esta solidão. Os personagens buscando o amor só encontram barreiras criadas por si mesmos ou pelas situações de vida. Dois escritores e uma atriz, sem plateia, numa realidade coberta de gelo, metáfora muito pertinente, nada mais produzem, sem espectadores, num triângulo amoroso com um desfecho inesperado.

 

A adaptação de Fernando Philbert introduz a realidade pandêmica de teatros fechando, da ausência de público, da realidade nua e crua que o autor sempre esboçou em seus questionamentos sobre o fim do Teatro. O teatro um dia deixará de existir? Não creio.

 

O texto, inspirado em "A Gaivota" de Thekhov, retrata os conflitos das relações  estabelecidas entre Konstantin, um escritor fracassado e seu amor pela atriz Nina que fora casada  com outro homem chamado Boris. Este, por sua vez, teve um relacionamento com a mãe de Konstantin.  Esse reencontro dos personagens, após 15 anos, proposto por Visniec, expõe ódios, frustrações, solidão daquelas de tremer todo o corpo envolto em gelo, literalmente, porém com uma mensagem de esperança.

A adaptação coloca o espectador bem próximo aos personagens, pois mescla seus rumos com a situação atual.

 

A direção de Fernando Philbert de teatro-metragem tem a linguagem adequada ao vídeo,  há o plano geral, mas também há o ponto de vista do ator através da câmera subjetiva , além de justaposições, tornando dinâmico o espetáculo, explorando as tensões , trazendo belas imagens.

 

No que concerne aos atores, é importante destacar o trabalho de Paulo Giardini, interpretando Boris. Há nuances e coloridos em seu texto, bem como na composição do personagem. Sua entrada traz uma mudança necessária ao desenvolvimento da trama. A atriz e produtora Bibiana Rozenbaum tem um desempenho emocional, conferindo extrema verdade à sua personagem Nina. A cena em que pisa no palco, um simples pano branco representando o Teatro, é um ponto alto. O desempenho do ator que faz Konstantin, Savio Moll, começa em alto nível e, por isso mesmo, incompreensível seu desenrolar tão pouco carismático. O desempenho do ator se torna ao longo do espetáculo, para o espectador, frio e distanciado.

 

O cenário de Natália Lana é perfeito. Em meio a tanto gelo criado de forma muito criativa há cadeiras de uma plateia muito reais. Esse detalhe torna tudo muito mais próximo do espectador brasileiro. A plateia com suas cadeiras  daquelas de madeira, antigas, trazem um recorte do que vivemos antes de tudo, antes do nada.

 

O figurino de Marieta Spada com fidelidade nos transporta aos personagens daquele tempo e lugar.

 

A música original de Marcelo Alonso Neves é envolvente e acentua todas as atmosferas.

 

Recomendo o espetáculo por acreditar que nos faz pensar no tempo presente. O Teatro tem o dom de nos espelhar. Alguns percebem, outros não, mas estamos ali naquelas gaivotas que não conseguem, por enquanto, alçar voos.

 

Serviço:

Sexta a domingo até  10 de outubro, às 20h.

YouTube  Sesc- RJ

Nenhum comentário:

Postar um comentário