Repugnante e excepcional ao expressar o desmerecimento, o desapreço, a menos valia pela condição feminina.
Vi o espetáculo on-line, justamente, na
semana em que o governo desconsiderando a fragilidade das mais carentes em
relação aos absorventes femininos vetou este item absolutamente necessário para
a vida de muitas mulheres. Sem comentários.
"Era Medeia" retrata um processo de
ensaio, expresso via live, do espetáculo Medeia, de Eurípedes.
Original em todos os aspectos por trazer para
o público o processo do ator, a intermediação do diretor e a live, muito vivida
nesses dias pandêmicos. Até aí tudo parece bem natural, mas há
cavernas a serem exploradas nessa tríade.
A personagem da atriz, ex-esposa do
personagem diretor que a abusa emocionalmente, traz seu domínio pela condição que
ocupa como homem. Não é à toa que as mulheres estão exaltando o
empoderamento feminino, abusadas milenarmente quem sabe está mais do que na
hora de falarem tetê-à-tetê?
Começa o espetáculo com a atriz Isabelle
Nassar afundada em sua própria roupa, quase enterrada. Ótimo e diz muito o
figurino de Tiago Ribeiro. Depois o que se vê é o ex-marido e diretor do
espetáculo a expondo a situações quase cruéis e desmoralizantes. Até o ponto de
propor que joguem bolas quando não satisfeitos com o desempenho da atriz.
Medeia, a tragédia encenada, traída e abandonada
por seu grande amor Jasão é um ícone, ainda que cruel e devastadora. Essa
mulher, através dessa traição matou os filhos e deu de comer a seu ex-esposo.
Nada há de mais desumano nessa conduta, mas a personagem atrai porque não deu
causa à tragédia e como diz o texto::" Sabem os deuses quem foi o primeiro
ator desse desastre".
O texto, direção e atuação de Eduardo
Hoffmann, com supervisão de Cesar Augusto, é uma crítica à condição feminina
imposta pelo patriarcado. Afinal, por que os homens se sentem tão superiores? A
força, vide Golias, não é a maior das virtudes. Além do mais, o texto faz uma
crítica à adoração pelo reality show. Por que se adora um programa que se diz
reality e não mais um verdadeiro processo da arte? A verdadeira experiência se
encontra no processo de criação como era sabido e hoje esquecido.
A direção coloca a figura masculina em
primeiro plano, tendo a atriz sempre atrás e, muitas vezes, desfocada, para
acentuar o referido domínio. Muito pertinente e clara a mensagem.
Vale muito a pena destacar a interpretação
dos atores. Isabelle Nassar inteira na atuação, desde o início, tem a
personagem nas mãos. Atua com sua voz no início baixa propositadamente e vai a
elevando até o ponto do xeque mate. Em suas entonações não se vê o óbvio. Seus
arroubos tão esperados calam fortes, tais como:
"Duvido que você faça com um homem,
levaria um murro na cara."
"Cala a boca! Isso é desrespeito".
Uma interpretação estudada, aprimorada e
convertida em belas sequências. O seu par, o ator Eduardo Hoffmann consegue
imprimir muita veracidade ao personagem. Quanto detestamos esse ser desprezível
que ele representa. Sua falta de sensibilidade que disfarça suas mágoas é bem
expressa. Os atores são muito responsáveis pelo grande espetáculo.
Iluminação pungente de Renato Machado.
A atmosfera musical de João Mello e Gabriel
Reis acrescenta muito ao espetáculo.
Era Medeia é imperdível. Você vai se ver ali. Tudo feito com esmero e perfeição. Se jogue nesta viagem da Grécia antiga
aos tempos nefastos atuais.
Serviço:
Era Medeia
Até 18 de outubro
No canal do YouTube Firjan Sesi
Pode ser acessado a qualquer hora.
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