segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Era Medeia

 


Repugnante e excepcional ao expressar o desmerecimento, o desapreço, a menos valia pela condição feminina.

Vi o espetáculo on-line, justamente, na semana em que o governo desconsiderando a fragilidade das mais carentes em relação aos absorventes femininos vetou este item absolutamente necessário para a vida de muitas mulheres. Sem comentários.

"Era Medeia" retrata um processo de ensaio, expresso via live, do espetáculo Medeia, de Eurípedes.

Original em todos os aspectos por trazer para o público o processo do ator, a intermediação do diretor e a live, muito vivida nesses dias pandêmicos. Até aí tudo parece bem natural, mas há cavernas a serem exploradas nessa tríade.

A personagem da atriz, ex-esposa do personagem diretor que a abusa emocionalmente, traz seu domínio pela condição que ocupa como homem. Não é à toa que as mulheres estão exaltando o empoderamento feminino, abusadas milenarmente quem sabe está mais do que na hora de falarem tetê-à-tetê?

Começa o espetáculo com a atriz Isabelle Nassar afundada em sua própria roupa, quase enterrada. Ótimo e diz muito o figurino de Tiago Ribeiro. Depois o que se vê é o ex-marido e diretor do espetáculo a expondo a situações quase cruéis e desmoralizantes. Até o ponto de propor que joguem bolas quando não satisfeitos com o desempenho da atriz.

Medeia, a tragédia encenada, traída e abandonada por seu grande amor Jasão é um ícone, ainda que cruel e devastadora. Essa mulher, através dessa traição matou os filhos e deu de comer a seu ex-esposo. Nada há de mais desumano nessa conduta, mas a personagem atrai porque não deu causa à tragédia e como diz o texto::" Sabem os deuses quem foi o primeiro ator desse desastre".

O texto, direção e atuação de Eduardo Hoffmann, com supervisão de Cesar Augusto, é uma crítica à condição feminina imposta pelo patriarcado. Afinal, por que os homens se sentem tão superiores? A força, vide Golias, não é a maior das virtudes. Além do mais, o texto faz uma crítica à adoração pelo reality show. Por que se adora um programa que se diz reality e não mais um verdadeiro processo da arte? A verdadeira experiência se encontra no processo de criação como era sabido e hoje esquecido.

A direção coloca a figura masculina em primeiro plano, tendo a atriz sempre atrás e, muitas vezes, desfocada, para acentuar o referido domínio. Muito pertinente e clara a mensagem.

Vale muito a pena destacar a interpretação dos atores. Isabelle Nassar inteira na atuação, desde o início, tem a personagem nas mãos. Atua com sua voz no início baixa propositadamente e vai a elevando até o ponto do xeque mate. Em suas entonações não se vê o óbvio. Seus arroubos tão esperados calam fortes, tais como:

"Duvido que você faça com um homem, levaria um murro na cara."

"Cala a boca! Isso é desrespeito".

Uma interpretação estudada, aprimorada e convertida em belas sequências. O seu par, o ator Eduardo Hoffmann consegue imprimir muita veracidade ao personagem. Quanto detestamos esse ser desprezível que ele representa. Sua falta de sensibilidade que disfarça suas mágoas é bem expressa. Os atores são muito responsáveis pelo grande espetáculo.

Iluminação pungente de Renato Machado.

A atmosfera musical de João Mello e Gabriel Reis acrescenta muito ao espetáculo.

Era Medeia é imperdível. Você vai se ver ali. Tudo feito com esmero e perfeição. Se jogue nesta viagem da Grécia antiga aos tempos nefastos atuais.

 

Serviço:

Era Medeia

Até 18 de outubro

No canal do YouTube Firjan Sesi

Pode ser acessado a qualquer hora.

 

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