Bela gente




                      







   BETH  ZALCMAN


Atriz, autora, diretora, cantora e preparadora de elenco





Há um seleto grupo de artistas que se divide em diversas funções. Você é atriz, autora, diretora, cantora e preparadora de elenco. Como essas diversas atividades vêm sendo vivenciadas e desenvolvidas?


A minha essência é a de atriz. A partir da experiência e conhecimento do que é atuar, eu desenvolvo todas as outras. Para atuar, é preciso mergulhar nesse universo e conhecer bastante, ter repertório interno e externo. Eu fiz um treinamento muito intenso com o método Michael Chekhov, com cursos aqui no Brasil e no exterior, para ampliar meus recursos e conhecer mais os meus caminhos nesse ofício de atriz. Eu também desenvolvi durante mais de 30 anos um trabalho como arte educadora, que me ajudou muito no entendimento da humanidade. A educação foi fundamental na construção desse meu caminho. O que acho mais importante é poder estar sempre aprendendo e se desenvolvendo no que a gente se propõe a fazer. O que queremos oferecer à humanidade com cada ofício que a gente escolhe? Falei de humanidade e lembrei da Helena Blavatsky. O principal propósito dela era atender a humanidade através da sua busca de conhecimento “do outro lado do tempo e do espaço“. O nosso trabalho de artista é proporcionar uma experiência transformadora, com beleza, alegria e emoção.



Conte-nos como recebeu a indicação ao prêmio Shell de melhor texto pelo espetáculo "Brimas".


Primeiro, é preciso dizer que a indicação foi em conjunto com a minha parceira de texto e de cena nesse projeto, a querida Simone Kalil. Foi nosso primeiro texto juntas e conta a história das nossas avós. Creio que a força do texto veio muito da originalidade e experiência delas, que chegaram aqui no início do século 20 e nos oferecem de forma emocionante e cômica as suas histórias de imigração e sobrevivência aqui no Brasil. As avós têm experiências muito semelhantes: as duas tiveram sete filhos, casaram com alguém da família e ficaram viúvas muito cedo. E elas conseguiram sobreviver e criar suas famílias sozinhas. É uma história extremamente humana, onde a cultura fica arraigada na memória das famílias. O público reconhecia no texto as suas histórias, afinal somos todos imigrantes neste país. Lembro que pessoas com descendências de várias nacionalidades assistiam e falavam: "é a minha história, é a história da minha família, é a história da minha avó!". Então, eu creio que as histórias da minha avó, dona Esther Duek, judia, egípcia, e da avó da Simone, dona Marion, libanesa, católica maronita, falam por muitas e muitas gerações de imigrantes. Ser indicada ao Prêmio Shell foi um reconhecimento muito importante tanto do nosso trabalho como das histórias humanas e verdadeiras.



O espetáculo " Helena Blavatsky, a voz do silêncio" esteve em cartaz no ano passado e agora dia 18 de outubro inicia uma temporada online. Quais adaptações foram necessárias e como atriz o que espera da experiência com a plateia virtual?


O espetáculo não ficou em cartaz, ele foi apresentado uma única vez em evento fechado, organizado pela Nova Acrópole, em Fortaleza. Foi uma apresentação para mil pessoas, muito impactante! A luz do Ricardo Fujii, de muita beleza e precisão, contracenava comigo. Agora a gente traz este espetáculo para a sala da minha casa, com adaptações de luz, mas sem perder a magia e o mistério. Na verdade, o que faz muita falta na apresentação virtual é a plateia à vista, mas eu tenho certeza de que a beleza e intensidade do texto de Lúcia, o mergulho nesta atuação, o olhar do diretor através da câmera mesmo distante está próximo, a concepção de luz para esse novo espaço, também sob o comando do Ricardo Fujii, com auxílio de Toninho Lôbo, atravessará a câmera e tocará a plateia.



Como foi o processo de criação de uma personalidade marcante que influenciou o mundo das artes, da filosofia e da espiritualidade?


O processo de criação desse personagem é um intenso mergulho em inúmeras possibilidades, já que nossa personalidade, Helena Blavatsky , nos oferece uma vida de busca intensa sobre a existência humana, sobre a essência que nos faz eterno. O que ela chama de "se aproximar da verdade" é um mergulho maravilhoso na existência humana, material perfeito para um ator. O processo de criação de um personagem sempre é entrar em um novo universo a partir da imaginação. Eu apresento a Blavatsky da maneira que eu acho que ela é, mas traduzido a partir do meu corpo. A gente empresta nossos corpos de artistas para que os personagens possam se expressar. "Helena Blavatsky, a voz do silêncio" se passa no último dia de vida dela; então, a consistência de tudo aquilo que ela viveu está no meu imaginário para que eu possa sentir e transpor para o meu corpo. Atuar é poder sair da frente e dar passagem... e fazer com que a plateia possa enxergar pela sua imaginação o que a gente está criando no espaço e no tempo. Helena Blavatsky é muito especial, é um universo de muita consistência.



Como foi trabalhar novamente com o diretor Luiz Antônio Rocha e o que destaca no texto da filósofa Lucia Helena Galvão?


Eu e o Luiz temos alguns projetos em andamento, então estamos sempre trabalhando juntos. Somos bons parceiros: temos o mesmo caminho de criação de atuação, a afinidade é grande. No processo de "Helena Blavatsky, a voz do silêncio", ficamos pelo menos três dias imersos no texto maravilhoso da professora Lúcia Helena Galvão para que pudéssemos caminhar para a ação. Nós trabalhamos realmente juntos no processo de criação. O texto é um primor. A Lucia é poeta, professora de filosofia voluntária na organização Nova Acrópole, e profunda conhecedora da vida e obra de Helena Blavatsky. O texto dela tem uma delicadeza e uma profundidade imensas, e isso fez com que eu estudasse cada palavra para captar sua intenção. É um privilégio fazer esse texto com as ideias da Blavatsky traduzidas pelas palavras da Lucia Helena Galvão.



Quais as reflexões que o espetáculo pretende provocar, principalmente no momento caótico no qual o mundo se encontra?


Tem uma fala da Helena Blavatsky que é a seguinte: "Aprendi sobre a heresia da separatividade, o maior mal do mundo, conhecido na linguagem popular com o nome de egoísmo". Então, eu sinto que essa fala alerta para como ficamos individualistas e como o egoísmo realmente, muitas vezes, desenha o nosso caminho sem que percebamos para onde estamos indo. Nós queremos conquistar coisas, ter coisas, realizar coisas, mas temos que ter um olhar para o todo. E a Helena Blavatsky fala muito isso: mantenha a união. A linha que separa a gente está na nossa mente. A gente separa, discrimina, usa de preconceito, achando que são só opiniões e direitos. “Mas temos todos a mesma origem”. Para mim, é fundamental refletir sobre isso nos dias de hoje. A gente precisa estar atento e acho que a pandemia trouxe esse olhar comunitário. Afinal, todos nós podemos adoecer, todos precisamos nos cuidar igualmente e cuidar do próximo.



Qual sua opinião sobre a reabertura dos teatros? Qual o maior aprendizado que a pandemia trouxe para o universo teatral?


Eu tenho muito receio, mas acho necessário que os teatros voltem a abrir devagar. Eu voltei a gravar a novela "Amor sem igual", na Record, no meio da pandemia. A gente teve um protocolo super rígido pela emissora e deu tudo certo. Então, acho que temos que reabrir, com plateia reduzida. O maior aprendizado que a pandemia trouxe para o teatro é como essa arte faz falta e como plateia faz falta! Somos artistas, então somos criativos e vamos nos reinventar. O teatro on-line é uma possibilidade hoje. O teatro é um universo feito por tantos profissionais, como você fala na pergunta, então é importante que as atividades voltem para que esse universo de fazedores de arte, possa trabalhar.















CAROLINA GARCIA



Atriz-marionetista, educadora, diretora e produtora teatral






( Participação de Paulo Balardim - Diretor e dramaturgo )







“Habite-me” volta aos palcos, no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, até 16 de dezembro. Qual a mensagem primordial do espetáculo? O que o público pode vivenciar nos três quadros que compõem a encenação ?

(Paulo Balardim responde) O espetáculo nasceu com o nome, ideia da Carolina, com a vontade de explorar as interações entre os bonecos e o corpo da atriz. Habitar o inanimado e deixar-se habitar por ele. Por meio do intercâmbio que fizemos com a cie. Territoire 80, Emilie Racine e Laurence Castonguay (Québec), na medida em que criávamos os bonecos criávamos também o argumento para os quadros. Na escrita cênica, finalmente, o tema da habitação ganhou uma outra dimensão, apontando para um estado efêmero de permanência no tempo. Os bonecos e objetos manipulados fundiram-se com a atriz para representarem vida e morte, memória e os efeitos que a ausência pode provocar.

Acho que "Habite-me" é um convite, um apelo...é tentar chamar a atenção para nossa transitoriedade numa tentativa de dizer para as pessoas que existem coisas importantes que acontecem ao nosso redor...que devemos dar atenção a isso...que não estamos sós...que nossa vida merece ser preenchida com lembranças e ações boas, pois ela é breve.

Um espetáculo para ser contemplado. Uma trilha originalmente composta pelo músico belga Tuur Florizoone (inédita) que pontua as cenas. Um espetáculo que mescla dança, máscaras e bonecos e que não tem a pretensão de contar histórias, mas fazer sentir emoções e imaginar que essas presenças ficcionais representadas pelos bonecos poderiam realmente estar ali...como um sonho que intensamente nos absorve. Temos um espetáculo híbrido que apresenta formas animadas contemporâneas para adultos.


Explique como se dá a engrenagem teatral com bonecos até de tamanho natural como ocorre no espetáculo.

(Paulo Balardim responde) O processo de criação do espetáculo está saturado com nossas inquietações, as quais envolvem aspectos técnicos da animação não apenas na obsessão em provocar movimentos que pareçam autônomos no boneco, mas também em conduzir a interpretação da atriz com sensibilidade para dar credibilidade a essa sensação de autonomia. Em um dos quadros, por exemplo, delegamos ao boneco a função de manipular a atriz...vamos ver que efeito isso provoca no público!

A cenografia também é algo curioso: o trabalho do artista plástico Élcio Rossini contribuiu para criar a imaginação de uma presença não-antropomórfica em cena, ao mesmo tempo em que funciona como um dispositivo para ocultar a atriz, sem que ela necessite sair de cena.

As únicas palavras do espetáculo são de Rainer Maria Rilke. Cada espectador recebe trechos de sua poesia antes da encenação. Por que a escolha do poeta que tem como algumas de suas características a religiosidade, o desencantamento, a união do homem com o universo?

A poesia de Rainer Maria Rilke surgiu durante o processo de criação das cenas. Antes dele já tínhamos as imagens do espetáculo, mas com a profundidade de suas palavras foi que começamos a perceber alguns sentidos nas imagens que tínhamos e que não havíamos ainda reconhecido. Rilke nos propôs um estado de contemplação das coisas simples e cotidianas com um olhar que busca a densidade do incognoscível. Os temas que abordamos, amor, morte, relacionamento, efemeridade do tempo, são constantes no poeta. E refletir sobre tudo isso possui um caráter "religioso", pois incita reconectarmos nossa interioridade com sentimentos essenciais que caracterizam nossa humanidade.


Você foi a única marionetista brasileira a ganhar bolsa de residência artística no Festival de Castelier, em Québec, no Canadá. O que essa experiência enriquecedora trouxe para sua carreira?

Sim, era apenas uma vaga e fui a selecionada para receber essa bolsa de pesquisa e intercâmbio em Québec . “Habite-me” surgiu como aprofundamento desse intercâmbio. O Festival de Castelier, em parceria com o Vale Arvoredo, auxiliaram na realização desse projeto. Louise Lapointe, coordenadora do Festival, e o Conseil des Arts du Canadá oportunizaram a residência e o convívio com artistas da América do Norte. O convívio com outra cultura, outros modos de experienciar a arte e com pessoas dedicadas ao teatro de animação foram propulsores deste desejo de expressar-me c om os bonecos num espetáculo solo. Fazer um solo exige dedicação e disciplina e entendimento que não estamos sós em cena, precisamos estar atentos a todas as condições técnicas que precisam ser resolvidas e com habilidade cognitiva e emocional lidar com os outros e as relações que partem do próprio corpo, com o espaço e com os objetos . O olhar externo é fundamental para o diálogo e direção de Paulo Balardim é uma preciosidade e sempre um aprendizado. A presença da companhia Territoire 80, de Québec, foi também um grande presente que a participação no Festival trouxe. Felizmente, com a parceria do Espaço de Residência Artística Vale Arvoredo e o FIMC – Cariri, coordenado pela Dane de Jade, nos deu a possibilidade de repetirmos a residência mais duas vezes no Brasil, com a vinda de Emilie Racine e Laurence Castonguay ao Brasil.


Como está indo o projeto de reativação do Núcleo de Bonecos na Escolinha de Arte do Brasil?

Este é um projeto muito especial: pela história e importância que a Escolinha de Arte possui na história da educação em nosso país e pela possibilidade de fomentar mais este espaço cultural, convívio e formação em arte no Rio de Janeiro. É um importante momento em que vivemos e temos o dever de redobrar os esforços para manter e revitalizar os espaços da cultura. Sem verba, existe sempre uma redescoberta de gestão que precisa ser criativa, já que não precisamos captar recursos para as obras e manutenção, mas não deixar o desânimo ou atividades nos pararem. Nesse momento um grupo de artistas está se dedicando para colocar a mão na massa e darmos as condições suficientes para começarmos as atividades no primeiro semestre de 2020. Assim, sabemos que nossa participação e da comunidade fará a diferença.

O Núcleo de Bonecos da Escolinha de Arte será um espaço dedicado ao estudo desta arte. A Associação Brasileira de Teatro de Bonecos e diversos artistas e companhias já manifestaram seu apoio a esta iniciativa, pela importância no panorama nacional que ela representa. Esperamos obter o apoio de outras instituições, empresas e governo, para manter vivo este importante local, abrindo espaço também para realização de formação profissional, pesquisa, apresentações culturais e convívio social.


Comente sobre o Festival Cena Brasil Internacional do qual é uma das coordenadoras.

O Festival Cena Brasil Internacional já é um espaço consolidado de intercâmbio e formação artística na cidade com representação internacional. Participo da coordenação na área de intercâmbio e formação.
Todo ano, durante duas semanas o festival proporciona oficinas, palestras e espetáculos fomentando o encontro e um espaço de reflexão sobre a produção contemporânea nacional e internacional. É um festival de resistência muito necessário que Sérgio Saboya persiste anualmente.
A dimensão que este festival assumiu é impressionante e quem ainda não participou, deve participar, pois somente vivenciando-o é que é possível compreender a importância que possui para artistas e público.


Como é ser artista num cenário antagônico e sem fomento à cultura como estamos vivendo no país?

A pergunta talvez devesse ser: como é ser artista?
A arte sempre sofreu ataques. E nunca deixou de existir por causa disso. Ao contrário, em momentos tristes da história da humanidade, a arte floresceu ainda mais forte. As dificuldades devem servir para nos fortalecer e redobrar nossos esforços. Não devemos nos desestimular porque as coisas não acontecem como queremos.
Nesse momento, a arte é imprescindível e precisa atuar intensamente, precisamos ser intensos e sensibilizar as pessoas, incitar a sociedade a defender seu direito à cultura sem perder a poesia...como dizia Drummond, precisamos preparar uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças...


E o projeto de residência artística que você e Paulo mantêm no sul do país, como funciona?

O Espaço de Residência Artística Vale Arvoredo é um espaço que promove cursos e fornece abrigo a projetos artísticos de variadas áreas.É um espaço privado que conta com o apoio de uma rede de artistas-amigos envolvidos em sua manutenção.

Inspirado na relação entre artista e natureza e no respeito ao ambiente como estímulo criativo, o Vale Arvoredo atua desde 2011 em Morro Reuter, no Rio Grande do Sul. Uma região turística da Serra Gaúcha, com uma fauna e flora exuberantes.

O espaço aceita proposição de artistas, grupos e projetos para desenvolvimento de parcerias. Qualquer um pode enviar projetos e participar.


Para conhecer melhor o espaço, enviar propostas e participar da programação, visite o site: www.valearvoredo.com.br














       

                    

ANA KFOURI


Atriz, diretora, Pesquisadora e Professora



             (Foto: Dalton Valerio )          



Com lançamento previsto para o dia 26 de novembro, na livraria Blooks, no Espaço Itaú de Cinema, em Botafogo, seu primeiro livro “Forças de um Corpo Vazado” trata da palavra como potente força criadora e sobre a relação corpo-palavra. Conte-nos mais sobre o livro e a sua pesquisa de linguagem.

Meu intuito com o livro é partilhar com o leitor a experiência corpo-palavra, que alicerça a minha pesquisa. Pensar e trabalhar corpo e palavra sempre em relação, como campos de forças. Ou seja, o corpo não é um instrumento de expressão e a palavra não é uma mensagem. Eles estão sempre em tensão e em relação. No livro eu defendo a palavra, o ato de falar, como potência de um lugar da criação e da não representação na cena e na arte contemporâneas. E nomeio quem fala como um corpo vazado, um corpo-sopro, imagem poética/força corpórea que venho criando e desenvolvendo. Meu desejo é pensar esse performer, esse falador, não para defini-lo, mas para pensá-lo de maneira mais profunda.


Qual o salto e a contribuição da sua pesquisa no âmbito das artes cênicas para o universo das  artes visuais?

Eu quis criar uma dificuldade para mim mesma, tentar sair do território das artes cênicas e pensar esse corpo vazado/corpo-sopro nas artes visuais, como um desafio para abrir novas frentes de pensamento, dificultar minhas reflexões, pensar de outras maneiras.  Ou seja, aprofundar ou aprender mais com o pensamento-corpo, pensamento-ação. Pensar por imagem, buscar mais síntese e precisão na minha prática e reflexão. Acho que a minha pesquisa, tanto nas artes cênicas quanto nas artes visuais, pode interessar artistas, pessoas e estudiosos da relação corpo-palavra e sintonizados com o campo do meu interesse, o da intensidade.


Você é referência na preparação de atores, essa interação, seja no teatro ou na televisão, traz que reflexões?

Como diz Hilda Hilst, “tu podes ir, e ainda que se mova o trem, tu não te moves de ti”. A minha experiência como diretora de teatro e como preparadora de elenco na televisão e no cinema traz a marca do meu pensamento e da minha prática, trabalhar no campo da intensidade e não da intenção. Valère Novarina diz “é preciso de atores de intensidade, não de intenção”. Eu brinco que não acredito que não fui eu que falei isso, que foi ele, rs. Mas Novarina, além de autor, é artista plástico, traz a síntese no pensamento, fala em frases curtas uma quantidade imensurável de conteúdos. Então, a minha experiência navega nesse território do campo da intensidade, da sensação, da palavra e do corpo trabalhados como campo de forças. Guardadas as devidas proporções e diferenças de linguagens artísticas, acho que no teatro essa relação corpo-palavra no campo intensivo se dá com mais profundidade, mas no trabalho de preparação de ator na TV e cinema também reverbera de forma consistente, pois a imagem exige esvaziamento e potência, e isso se produz acessando as forças do corpo (da respiração), e não com a razão e muito menos com sentimento.


Com tantas indicações e prêmios como atriz e diretora, o que alimenta a sua busca por novos desafios?

As indicações recentes como melhor atriz pela peça Uma frase para minha mãe, e o premio Questão de Crítica, me encheram de alegria e vigor, porque é muito bacana ter esse reconhecimento. Acho que o artista é mesmo um ser desejante, mas meu desejo de potência é movido por fazer valer a palavra como campo de forças, oferecer e abrir novos caminhos de pensamento e ação para além do campo dramático hegemônico.


Qual o balanço que faz das duas companhias que dirigiu, a Cia Teatral do Movimento e Grupo Alice 118?

Foram tempos fundamentais! Meu empenho, meu movimento, meu caminhar a vida toda, e isso vem à tona numa hora desta, foi e é voltado, totalmente imerso no campo intensivo, da vida, do teatro, porque eles não se separam, e isto também aciona toda uma história com os grupos que dirigi. Cada atriz e cada ator da Cia Teatral do Movimento e do Grupo Alice 118, cada um deles faz parte desta experiência corpo/palavra que alicerça minha pesquisa e que aprofundo hoje, e com eles muito trabalhei e aprendi.


Criado em 2017, como se dá o trabalho desenvolvido no Centro de Estudos Ana Kfouri (Ceak)?

O CEAK é uma extensão, uma continuidade, um pedaço de mim, um braço, uma perna, um dorso, corpos ganhando espaço, dando espaço para invenções, estudos, projetos, alegrias, aprofundamentos. Os estudos e práticas se entrelaçam, se atravessam, aproximam pessoas das áreas da filosofia, da literatura, da dança, da música. Alegro-me que o CEAK seja um espaço dedicado a receber processos de trabalhos artísticos investigativos, promovendo a interlocução com pessoas interessadas em assistir experiências processuais, em debater questões dos nossos tempos e interagir com a arte, e a partir da arte, criando um ambiente de convivência e de reflexão conjunta, muito saudável e importante para todos, artistas e espectadores. Pensar junto, fazer junto, prazer junto, discutir, conversar, falar, ouvir.
Realizamos no CEAK saraus, espaço dedicado à música, poesia, performance, lançamento de livros e leituras (de Silvana Garcia, Marcelo Jacques de Moraes, Rodrigo de Roure, Claudio Serra, entre outros), organizados por Natalia Balbino e Pablo Pêgas, entrecruzando jovens de universidades variadas, assim como mesclando artistas iniciantes e experientes, pesquisadores e pessoas interessadas em arte; workshops meus, e de artistas como Dani Lima, Ronaldo Serruya, Maíra Gerstner, Tatiana Pará; experiências artísticas A Dama do Mar em processo, projeto de Cristina Mayrink, com direção de Isabel Cavalcanti; leituras dramatizadas como Se não houvesse o amor, com a presença do autor Thierry Beucher e tradução de Angela Leite Lopes; além de ser um espaço de ensaio por onde passaram artistas como Ana Abbott, Elisa Pinheiro, Joana Lebreiro, Vilma Melo, Paula Lom, Leonardo Netto, Michel Blois, Fabiano de Freitas, Orã Figueiredo, ente outros. É no CEAK que acontece também os intensivos do pós-doc que realizo atualmente no programa PPGAC/ Artes da cena, UFRJ, com supervisão de Eleonora Fabião.
O CEAK é também um ato de resistência, de luta e de perseverança por acreditar sempre que a arte é a saúde de uma sociedade!

Vivemos um tempo de polos contrários em relação às artes em geral. Como pesquisadora, atriz, diretora e professora, a seu ver quais são as perspectivas no mundo atual para o retorno da valorização e reconhecimento da arte pela sociedade como um todo?
Acho que são tempos mesmo de micropolíticas. Cada um fazendo a sua parte, mesmo que mínima (no sentido de se fazer muito esforço e se ter pouco retorno) dando a ver polos de afirmatividade em tempos tão difíceis. Acho importante, neste momento, realizar ações “menores”, pensar o sucesso como algo “menor”, cada vez menos espetacular, cada vez menos global, e sim como focos de força e de reflexão, aqui e lá, acolá, campos de afirmação e de afeto, revelando em cada ação o poder de transformação e de conscientização que a arte provoca e gera no mundo.



  




                                                                   
 
                            
                  Miwa Yanagizawa

                        ( foto com Marcio Nascimento )  

                       Atriz, diretora e professora                              
                                 
                                             Foto: Daniel Barboza







Como uma das fundadoras do Areas Coletivo, além da inegável qualidade que o levou a várias premiações, qual a finalidade primordial para a continuidade do trabalho?


Creio que como espaço possível e desejado de encontro da gente, eu, a Maria Silvia (Siqueira Campos), Liliane Rovaris e a Camila Márdila para seguirmos confabulando e criando aberturas para processos de criação e investigação que estejam em diálogo com nossas inquietações.



Comente sobre a oficina “A Escuta”, idealizada por você e Camila Márdila, que visa trazer para os atores a detecção de vícios de interpretação e a busca do outro.

Vou, aqui, de novo, trazer a imagem de abertura, ao invés de ideia que “visa trazer para os atores a detecção de vícios de interpretação”, a de uma pesquisa que dê fluxo a outras possibilidades de proceder, abrir outras vias no modo de operar e sempre em relação ao outro. Quando pensamos “outro”, nos referimos a tudo aquilo com o qual o ator pode se relacionar: outro-sujeito, outro-objeto, outro-ruído, outro-em-si, e assim vai.



Como foi a sua experiência no Grupo Nós do Morro, grupo que revelou tantos jovens talentos?

O Nós do Morro foi uma grande escola pra mim. Pude desenvolver inúmeros trabalhos por causa dessa experiência. Tive acesso a pessoas e histórias que permitiram que eu me alargasse e transitasse mais pela cidade. Já trabalhava numa escola (Escola Meninos de Luz), no Pavão-Pavãozinho, quando o Fernando Mello da Costa me levou pro Nós e conheci o Guti Fraga que me levou pra Jacarepaguá, na escola do Teatro no Retiro dos Artistas (não existe mais, uma pena) e também pra Japeri, onde pude desenvolver um trabalho longo, contínuo com o Grupo Código e ver seu amadurecimento.



Você divide a direção geral com o ator Marcio Nascimento do espetáculo “Iago”, texto de Geraldo Carneiro baseado em “ Otelo”, de Shakespeare, com temporada até 27 de outubro, no Sesc Copacabana. Segundo suas palavras, a ideia é levar ao público uma experiência capaz de se comunicar com questões como o uso maquiavélico do poder. De que maneira a encenação propõe esta reflexão?


Quando o Márcio Nascimento me chamou para dividir a direção com ele, ele trouxe a proposta, que aparentemente pode parecer óbvia, de dar foco à ideia da manipulação por uma conjunção simples: o poder manipulativo de Iago e a arte da manipulação de bonecos, que Márcio pesquisa e desenvolve com maestria há anos. O público vê diante dele essa dobra que gera possibilidades estrondosas de relações que podem viabilizar algum tipo de reflexão, de experiência, desdobrar narrativas, ativar sensibilidades, claro, sabendo que no Teatro, dependemos também da disponibilidade de quem vê, mas, pudemos contar com uma equipe primorosa que potencializou o processo. Temos em cena o magnífico violoncelista Marcio Malard que acompanha o ator com as músicas originais e belíssimas de Rodrigo de Marsillac, cenário e figurino de uma precisão extraordinária de Carlos Alberto Nunes e Tiago Ribeiro, respectivamente, os bonecos incríveis feitos por Bruno Dante e Carlos Alberto Nunes, a preparação vocal profissionalíssima de Verônica Machado, texto justo de Geraldo Carneiro, uma equipe linda, artística, de produção e de divulgação.



Com uma sólida e premiada carreira como atriz e diretora, como se dá o seu processo de criação?

Tenho um percurso artístico, desde a Unirio, de fazer parte de companhias e coletivos. Passei por importantes companhias de artistas sempre interessados na arte em diálogo com a vida, atentos às questões éticas das relações e com desejos em criar espaços originais para a cena. Me considero ligada a essas pessoas e processos ainda, aprecio um trabalho em colaboração e, assim, procuro, a cada trabalho, ampliar a escuta para uma possibilidade o mais horizontal de criação entre as pessoas.



Como analisa a função da arte e a importância da cultura no cenário atual?


Como o ar que respiramos, o alimento que nutre, a água que nos banha, o metal que nos fortalece, as ervas que curam, os encontros que nos alegram, ou, nos entristecem, ou, chateiam, ou, espelham e nos dão vida.





             







       


            Diogo Liberano

Ator, diretor, dramaturgo, produtor e professor


Foto: Thaís Grechi



Há uma geração, da qual faz parte, que exerce várias funções no Teatro. São artistas que idealizam, produzem, escrevem, dirigem e atuam. No seu entender, que fatores são responsáveis pelo surgimento de multitalentos no cenário teatral?


Acredito que um dos principais fatores diga respeito aos modos de produção em teatro (ao menos no Rio de Janeiro, mas, sem dúvida, não só aqui). Quero dizer: não se consegue sobreviver e nem mesmo realizar algo em teatro apenas numa das posições. É de extrema importância que um diretor tenha noção de produção. Que um produtor compreenda aspectos relativos à iluminação teatral. Que um ator ou uma atriz entendam sobre os modos de composição de uma cena e por aí vai. Se teatro é mesmo uma arte coletiva, e não tenho dúvidas quanto a isso, naturalmente, as ditas funções se embaralham e torna-se (quase) uma exigência que você não saiba apenas sobre o seu papel. Digo isso porque, para além da paixão que tenho por todas as ditas funções no fazer teatral, foi somente assim, me colocando nessa diversidade de funções e profissões, que consegui e consigo trabalhar com teatro, realizar criações teatrais.



A companhia Teatro Inominável está comemorando dez anos de existência. Você poderia fazer um balanço dessa década tão produtiva?


O balanço é instável. Isso não quer dizer negativo. É instável porque, enquanto uma companhia de teatro nascida e em atividade na cidade do Rio de Janeiro, segue sendo extremamente difícil continuar criando e produzindo aqui. Há algo no genoma do Inominável – chamamos esse algo de “honestidade radical” – que nos convida, sempre e a cada momento, a encarar a criação como, de fato, um processo de invenção, de buscas e tentativas, de assumir riscos e tomar posições. Isso imprime à companhia um movimento instável porque não temos uma linguagem, não investimos em “um” modo de fazer; a cada criação “nascemos” de novo, renovados, buscamos desafios que possam nos render. Sem isso, é como se não estivéssemos em um processo criativo. Digo isso porque, após 10 anos de vida, seguimos sem muitas certezas e essa instabilidade, propriamente ela, é aquilo que nos anima a seguir buscando e fazendo, experimentando e promovendo espaços-tempos propícios à partilha de experiências.



Como é o seu processo de trabalho coordenando o Núcleo de Dramaturgia Firjan Sesi? O que torna o Núcleo instigante para novos dramaturgos? Que reflexões o universo da dramaturgia tem provocado?


Assumi a coordenação do Núcleo de Dramaturgia Firjan SESI em 2017, após ter ministrado alguns encontros no ano anterior, para autoras e autores da segunda turma (2015-2016). Quando comecei meu trabalho como coordenador do projeto, o que fiz foi compor um plano pedagógico que buscou valorizar dois aspectos: o processo de formação de uma dramaturgia e o processo de formação de autoras e autores interessados na escrita dramatúrgica. Isso quer dizer que me livrei dos modelos, das referências canônicas e detive minha atenção ao que era produzido e pensado pelxs autorxs de cada turma anual (sempre com 15 integrantes). Acredito que esse plano pedagógico (que, obviamente, se atualiza a cada instante) é o que torna o Núcleo de Dramaturgia um tanto intrigante: não se trata de um projeto que te ensina a escrever dramaturgia, trata-se, antes, de um projeto que te convida a compor modos singulares e específicos para a criação dramatúrgica. Não trabalhamos com certo ou errado, trabalhamos juntos e a partir das intuições e desejos daquelxs que integram as turmas. Nesse sentido, junto ao Núcleo, venho desdobrando alguns olhares sobre a dramaturgia contemporânea que me parecem interessantes justamente porque libertam a dramaturgia de um modelo (um gabarito) e a colocam como um espaço liberto, aberto, sempre disponível a ser experimentado e inventado, modificado, refeito...



O espetáculo “Mansa” teve a temporada prorrogada, no Teatro Poeirinha, até 25 de setembro. Quais foram as fontes de pesquisa e o que norteou a sua direção?


“Mansa” nasceu de algumas pistas que eu e as atrizes Amanda Mirásci e Nina Frosi demos ao autor André Felipe: falávamos, na época, da relação entre as irmãs Antígona e Ismene presentes em “Antígona” de Sófocles e também de instituições de confinamento, da violência contra a mulher. Quando o autor nos entregou a dramaturgia, originalmente criada para esse projeto, a situação mudou. André Felipe compôs uma trama sobre duas irmãs que matam o pai e o enterram no quintal de casa e que, por conta disso, acabam sendo presas. Porém, na dramaturgia, André dá vozes apenas aos personagens masculinos que rodeiam as duas irmãs. O que fiz, enquanto encenador, foi compor uma dramaturgia de movimento (junto à diretora de movimento Natássia Vello) que pudesse escrever a vida das duas mulheres, por meio dos corpos das duas atrizes. Quando essa partitura de movimentos (gestos, ações...) foi composta, comecei a atritar o texto do André (personagens masculinos) com o texto-movimento das atrizes (as personagens femininas, violentadas, caladas, aprisionadas). A encenação de “Mansa”, assim, nasce diretamente dessa tensão entre uma voz oficial e masculina e o corpo feminino subjugado por essas vozes. Nessa tensão, naturalmente, buscamos sinalizar à violência contra a mulher, histórica e culturalmente instituída. Acreditamos que é nessa tensão constante, nesse atritar das duas narrativas, que torna-se possível mirar criticamente ao assunto.



Você é graduado em Artes Cênicas e Direção Teatral, Mestre em Artes da Cena e professor de Artes Cênicas, como vê a importância da arte e da educação na formação do indivíduo e da sociedade?


A arte e a educação possibilitam a autonomia e a liberdade dos seres humanos em sociedade. Essa é a sua importância. Sem isso, não é possível, no meu ponto de vista, uma sociedade propriamente democrática. Arte e educação nos brindam com a multiplicidade de pontos de vista, de sentidos e sensações. Sem isso, não há consistência humana capaz de viver em meio à vastíssima profusão de cores, formas, existências e gostos que os seres humanos têm e manifestam. Por isso trabalho com arte e educação. Acredito sim na tolerância e no respeito, acredito na partilha e no compartilhar. Arte e educação nos ensinam que aquilo que existe não é apenas aquilo tal como eu gosto ou tal como eu sou. Elas nos ensinam a ver o mundo na sua imensa diversidade e, mais que isso, nos ensinam a nos relacionarmos com o mundo, respeitando sua pluralidade. Quando acompanhamos o que acontece agora (e recentemente) no Brasil e em diversos outros países, fica evidente tanto a importância da arte e da educação, como os motivos que estão sendo usados para extermina-las. Arte e educação possibilitam a coexistência daquilo que é diferente. E a vida, em realidade, é a reunião das mais variadas diferenças. Não valorizar a arte, querer destruir a educação, é afirmar que aquilo que importa é apenas uma coisa e não todas as outras. Desvalorizar a arte e a educação é, em outras palavras, destruir a própria vida. Por isso trabalho com isso que trabalho. Por acreditar na importância do amor, do respeito e da diversidade.












   Luciana Mitkiewicz

           Atriz e Produtora













Quais são suas descobertas na pesquisa sobre a Imaginação do ator?

Mais do que descobertas, são constatações práticas e uma espécie de organização do pensamento acerca do tema o que eu consegui realizar ao longo da minha pesquisa de doutorado. Em primeiro lugar, quando a gente pensa na imaginação do ator, a gente tem que ter em mente o tipo de processo vivenciado por ele. No caso de um processo de montagem de um texto dramático, temos uma imaginação que visa à concretização física de um personagem criado por um autor. Essa concretização física vai além do texto, deve ir além do texto, como coloca Michael Chekhov (em Para o Ator, por exemplo). Mas, de qualquer forma, se guia por ele, e a função do ator é, neste caso, eminentemente, a do intérprete de papéis. Ele é sempre, no fundo, cocriador da dramaturgia, que só se realiza, ao fim e ao cabo, em cena. Mas sua imaginação volta-se para aquele papel imaginado por outro. Ele sempre vai descobrir novas facetas, não alcançar outras, mas a baliza é sempre o texto. 

Em processos colaborativos de criação, ao contrário, não é esse o ponto de partida. Então, o início desse tipo de processo é mesmo um tatear no escuro. Não é uma busca da ação que melhor corresponde a uma espécie de referencial dado textualmente. É, em sentido oposto, um processo de criação de ações que buscam, no entrelaçamento com tantas outras, um eixo comum e que, aos poucos, fazem surgir uma figura, a qual se pode chamar, no fim das contas, personagem ou figura ficcional - pensando ficção, aqui, como uma criação poética, como uma outra realidade (criada). Nesse tipo de processo, a gente deve considerar tanto o propósito quanto o acaso como balizas importantes. Aliás, em toda criação deveria ser assim. Mas, nesse tipo específico de criação, que é fundamentada na criação psicofísica do ator desde o primeiro momento do processo - marcado pela prospecção física ou por vivências diversas (como participação em workshops ou pesquisa de campo, por exemplo) - o acaso tem papel preponderante. Assim, o ator deve adquirir (aliás, todos os criadores envolvidos) aquilo que Mauricio Kartun (autor e diretor argentino) chama de consciência apofênica: uma abertura maior à composição a partir de coincidências. São elas que marcam o caminho partilhado, as afinidades, e dão a ver a autoformatividade da obra criada em colaboração.



   Você tem desenvolvido projetos teatrais sobre temas femininos. Desde o espetáculo “O Chá” até “Desmontando Bonecas Quebradas”, em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal, quais são suas constatações sobre a condição da mulher?


Os dramas de que tratei por meio dos temas das minhas peças foram: papéis de gênero, tráfico internacional de mulheres, exploração sexual, feminicídio. Todos, dramas femininos com maior ou menor grau de violência, mas tudo isso é violento, muito violento.

Além de tratar desses temas por meio do teatro, eu também sou mulher e esse trajeto todo, por meio da criação dos espetáculos da Bonecas Quebradas, foi muito importante para a formação do meu pensamento como feminista. Essa palavra está na moda, mas assumir-se verdadeiramente feminista, deixar de usar essa palavra apenas como um discurso vazio, é difícil. Olhar para o marido ou ex-marido, para o pai, para o "crush", para o irmão, para o chefe, para o colega de trabalho, e perceber as pequenas e diárias violências, o menosprezo, a discriminação pela condição da mulher e a desigualdade de gênero no cotidiano é um processo doloroso.

O que essa trajetória trilhada desde 2007 me ensinou é que não há mulher que não tenha vivido algum tipo de violência de gênero na vida; o que há é mulher distraída, ou muito ingênua. Existem também mulheres que se dizem feministas, mas que se submetem a relacionamentos abusivos ou, pior, que não conseguem desenvolver sororidade alguma e continuam colonizadas em seus comportamentos por esse machismo que estrutura a nossa sociedade, competindo e diminuindo mulheres ao redor, ao invés de fortalecê-las. Fui vítima de tudo isso.


O teatro documentário é um gênero em ascensão no mundo. A que se deve tamanho interesse dos realizadores e do público?


Eu sempre penso naquela frase de abertura da Mostra de Cinema É tudo Verdade: "quando a realidade parece ficção, é hora de fazer documentários". Isso pra mim é o mais importante. Mais do que um interesse particular por um gênero teatral específico, uma curiosidade artística ou um desejo de experimentação poética apenas. No caso de Bonecas Quebradas (o espetáculo), acabamos tendo (!) que tratar dos feminicídios em Ciudad Juarez, uma vez que na residência artística no México entramos em contato com esses casos - que para nós era de suma importância para entendermos as causas profundas da violência contra a mulher, de tão paradigmáticos que esses casos são. Então, nos deparamos com uma pergunta crucial: como tratar de um tema desses no teatro? É possível representar uma violência tão extrema? É possível ficcionalizar nesse caso? A verdade é que nos encontramos numa "encruzilhada ética" ao tratar do tema. Então, percebemos que a denúncia era o nosso primeiro objetivo. A sensibilização também era. Mas era necessário mostrar o que está acontecendo com mulheres de verdade. Mostrar aquilo que ninguém parece querer ver ou saber. O teatro documentário nos pareceu, então, o melhor caminho para esse propósito específico.

Talvez porque o mundo esteja de um jeito que parece até ficção, então, a urgência de se falar sobre o que está acontecendo não permita outra escolha poética. Mas há também percebo uma volta dos clássicos como uma tentativa de relacionar, no tempo, as repetições das diversas tragédias humanas, utilizando as do passado como metáfora potente para falar do presente. Há o documento e a metáfora na mesma medida, penso eu. E é bom que haja ambos no teatro documentário. Hoje não vivemos mais sob a égide do purismo estético, não?



“Desmontando Bonecas Quebradas”, devido ao sucesso, teve sua temporada prorrogada. Comente sobre a receptividade da plateia não só no Brasil, mas também em Londres e em algumas cidades na Itália onde o espetáculo foi apresentado. 


As pessoas saem muito comovidas, principalmente as mulheres. Muitas saem chorando e eu, sempre que possível, fico na porta do teatro para abraçá-las.
Na Itália, a recepção foi incrível, e eu poderia ter me apresentado em muitas outras cidades da Itália (e do sul da Áustria), se tivesse tempo na ocasião. Mas não tinha... As italianas olham para esse tema com muita vontade de aprender mais, porque a violência contra mulher lá também é grande, mas elas estão olhando para o tema à luz de estudos de pesquisadoras latino-americanas, principalmente mexicanas e argentinas. Há muita hipocrisia ao se tratar desse assunto na Itália. Ainda é muito delicado...

O público, portanto, tem gostado muito de como o tema é abordado no espetáculo, mas a crítica não comparece. Talvez não entenda a ideia de ser essa uma peça nova. Afinal, é uma desmontagem (e, portanto, uma remontagem em outros moldes) do espetáculo Bonecas Quebradas, que fez temporada no Rio em 2016 (SESC Copacabana e Espaço Sérgio Porto).


Uma das cenas mais impactantes do espetáculo chamada “Campo de Algodão” foi escrita pelo dramaturgo e diretor João das Neves. A seu ver, que mensagem especial essa cena traz acerca da violência contra a mulher?


A cena faz um apanhado das principais informações sobre o caso Juarez a partir do depoimento de uma mãe no espaço do campo de algodão, local em que vários corpos de mulheres foram encontrados com sinais de tortura e violência sexual, e caso mais emblemático dessa história, por ter levado pela primeira vez à condenação de um Estado - o México - na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2009.

A mensagem principal, a meu ver, é a de que as mães sabem que muitos dos restos mortais que lhes entregam as autoridades não são os de suas filhas, que os bodes expiatórios, presos por essas mesmas autoridades corruptas, não são os verdadeiros assassinos, e que estão dispostas a lutar até o fim para terem o direito não apenas de enterrá-las, mas de saber exatamente o que fizeram com elas e, principalmente, que quem o fez seja punido. Por essa coragem e determinação, essas mães são perseguidas pelos criminosos, mas não desistem da luta e já tiveram muitas conquistas em Juarez.


No cenário atual, que caminhos são possíveis para montar espetáculos teatrais e para permanecer em temporada?


Insistência, resiliência e reexistência. Não há caminhos dados, a gente tem que inventá-los ou reinventá-los. A tarefa é árdua e muitas vezes solitária. Mas se a gente desistir, eles ganharam...








Cecilia Ripoll
Atriz, diretora e dramaturga
           


Com mais de quinze anos de experiência como atriz e diretora como nasceu a vontade de escrever textos teatrais?

Eu sempre gostei muito de escrever, desde pequena. Mas como a minha trajetória no teatro era de uma pesquisa mais ligada ao teatro gestual, a um tipo de produção teatral onde raramente usávamos a palavra em cena, eu nunca tinha pensado em juntar as coisas, ou seja, em propor uma escrita voltada para o teatro. Em 2013, eu e meu grupo (Gestopatas) nos vimos diante do desejo de montar um espetáculo com texto falado. Pesquisamos muitos textos – entre dramaturgias, contos, romances – mas já tínhamos algumas ideias muito específicas que queríamos desenvolver, propostas ligadas ao teatro de formas animadas, e isso fez com que a gente tivesse dificuldade em escolher um texto já pronto. Apareceu mesmo no coletivo essa demanda de uma dramaturgia construída sob medida para dar vasão aos nossos anseios. E foi então que escrevi a primeira peça, chamada Paco e o Tempo, um infantojuvenil que estreamos anos depois, em 2016, no Centro Cultural da Justiça Federal (Cinelândia/RJ). Paco e o Tempo também foi o primeiro espetáculo que dirigi.


Como foi o processo de criação do texto “Rose”, indicado ao prêmio Shell em 2018?

Rose foi gestada totalmente dentro do contexto do Núcleo de Dramaturgia do Sesi, projeto que integrei em 2017, com coordenação do Diogo Liberano. No Núcleo passamos o ano inteiro discutindo, produzindo, pensando dramaturgia, numa turma de 15 pessoas com encontros semanais. Além de conduzir os encontros do núcleo, o Diogo sempre convidava profissionais do meio teatral que pudessem ampliar as nossas discussões sobre dramaturgia. A turma era super plural e as conversas me deixavam a semana inteira quicando de inquietações, vontades. Então sinto que a escrita de Rose foi totalmente permeada por esse ano de muito movimento. A escrita da dramaturgia num sentido mais objetivo foi até um processo rápido, durou cerca de um mês ou dois. Mas sinto que o texto num sentido mais profundo estava se inscrevendo dentro de mim - mesmo que eu ainda não soubesse - ao longo de todo aquele ano, desde o início do projeto. Depois, quando foi escolhido para ser encenado, com direção do Vinicius Arneiro, Rose foi revisitada através da conversa intensa entre dramaturgia e direção, e assim mexi novamente no texto, fazendo vários cortes e alguns acréscimos. Aprendi muito na troca com o Vinicius. Foi a primeira vez que tive um texto encenado por outro diretor e o encontro foi muito instigante.


O que pensa da iniciativa do Núcleo de Dramaturgia SESI Firjan?

Bem, eu tinha respondido à pergunta anterior sem ter lido essa. Engraçado; acho que a resposta que acabei de dar sobre a escrita de Rose está totalmente ligada a essa pergunta. O Núcleo é uma iniciativa absolutamente fundamental dentro do nosso cenário. Somos muito carentes de formação em dramaturgia, aliás, de formação em diversos setores das Artes Cênicas. Comumente temos a ideia (eu mesma tinha, antes de participar do núcleo) de que a escrita é um oficio solitário. Digo, inteiramente solitário. E talvez até essa noção e prática da escrita como algo um pouco encastelado e intelectual seja também responsável pela produção de algumas peças que não se comunicam diretamente com seu público (Isso não posso afirmar, é só uma especulação mesmo). Mas como falar com o mundo se pensando fora dele? Dentro do núcleo, um projeto onde a troca entre as pessoas seja talvez um dos traços mais fortes, percebi como um projeto de formação pode ser absolutamente fundamental para a produção de textos consistentes; para a produção de palavras que nasçam do movimento, do intercâmbio, e até do atrito.


Os espetáculos “Vermelha” e “Hamlet Candidato” são de sua autoria e estiveram recentemente em cartaz. Textos que abordam as desigualdades sociais, a ética e o poder. Você afirmou que era necessário falar de questões contemporâneas. Quais gostaria de abordar nesse momento?

Essa é uma pergunta difícil... Na verdade, acho que sendo uma pessoa viva e abordando alguma questão, ela será inevitavelmente contemporânea, pois nasce de alguém que vive esse tempo (acho...). Quando começo a escrever qualquer coisa nunca começo pensando “gostaria de abordar tal ou tal questão”. Simplesmente começo, existem muitos disparadores diversos e possíveis, como uma frase qualquer ouvida na rua, uma imagem ou uma situação que subitamente faz algo dentro da gente apitar dizendo “isso é estranho/isso é interessante”. Por exemplo, essa semana eu escutei duas mulheres conversando na rua, uma delas dizia “a única coisa que o meu marido tem de feio é o nariz. O nariz do meu marido é muito feio”. A outra respondeu “ah, o meu marido é inteiro feio, dos pés à cabeça.”. Eu jamais saberia explicar porque, mas esse diálogo me fez algo apitar internamente, é um diálogo banal, engraçado, franco, debochado. Foram só duas frases. Mas me deu vontade de “abrir” essas frases e puxar alguma coisa de dentro delas para ver onde daria. O que quer que venha desse diálogo ou mesmo que não venha nada; foram palavras escutadas nesse nosso tempo, nessa nossa rua, nesse nosso momento – penso que é inevitavelmente contemporâneo. Enfim, eu dei uma volta imensa e não consegui responder quais questões gostaria de abordar nesse momento...


No seu entender, a leitura ocupa que papel no desenvolvimento do ser humano e da arte?

Nesse momento acho que representa um dos caminhos possíveis para gente não virar só barbárie. Nesse tempo atual onde as informações se propagam instantaneamente e antes mesmo da gente terminar de ler uma notícia muitas vezes já nos sentimos prontos para opinar e julgar, parar para ler – ler, simplesmente - é um ato político. Ler sem ter que imediatamente emitir qualquer tipo de opinião ou julgamento. (Bem, é difícil também falar sobre leitura em termos gerais; ler o quê, como, quando, etc.) Mas ler um Dom Casmurro, por exemplo, pode nos promover a experiência de ter que conviver com a dúvida, desmontando um pouco um tipo de operação que está tão comum atualmente, que é de receber pelo celular uma notícia (falsa ou verdadeira) e imediatamente produzir certezas absolutas que descambam facilmente para julgamentos precipitados e que descabam facilmente para o linchamento – ao vivo ou virtual. Talvez um Dom Casmurro possa justamente dar outros rumos que não só o murro. Ler uma obra literária que proponha contradições, paradoxos, múltiplas camadas de leitura, que não se encerre em uma visão única, pode ser sempre uma boia salva vidas em meio a tendências mundiais ao fascismo. Agora pouco eu estava viajando, me senti sozinha e pensei nessa frase: A ficção é um barco que ajuda a atravessar o mar repetitivo das solidões. Talvez seja meio brega mas, finalizando, acho que também tem a ver com a pergunta...


Atualmente, você está fazendo residência de dramaturgia na Itália. Comente sobre a experiência e a importância desse intercâmbio em seu trabalho.

Essa residência é um projeto de intercâmbio entre dramaturgos brasileiros, argentinos e italianos. Nessa etapa da iniciativa os dramaturgos participantes estiveram juntos para debater sobre seus textos recém-escritos diretamente para esse projeto. Isso aconteceu dentro de um festival chamado Primavera Dei Teatri, em Castrovillari (Sul da Itália). Como o projeto nessa etapa fazia parte de um festival de teatro, além dos encontros tivemos a oportunidade de assistir a diversos espetáculos da programação. A importância do intercâmbio foi em muitos sentidos. Tentando encontrar um principal (ainda muito no calor pelo recente da experiência) penso que pode ter sido de desfazer um imaginário que eu tinha sobre a produção europeia. Antes de ir ouvia das pessoas à minha volta; vai ser legal ampliar os horizontes, ver o que está sendo feito por lá. E eu pensava; sim, vai ser muito legal ampliar os horizontes e ver o que está sendo feito por lá. E foi. Mas também me fez pensar sobre o que é ampliar os horizontes, o que é fazer deslocamentos e mudanças de perspectiva da nossa realidade. Lembrei, enquanto estava lá, de uma peça recente brasileira “A Invenção do Nordeste”. Essa peça esteve aqui, do meu lado, no Rio de Janeiro, e talvez me tenha ampliado os tais horizontes tanto quanto ou mais do que todas as peças juntas que assisti do outro lado do oceano. E isso não é sobre a qualidade dos trabalhos, até porque qualidade é uma qualidade esquisita. Mas tem a ver mesmo com essa pergunta sobre o que significa ampliar os horizontes. Sobre o que significa conhecer modos diversos de fazer, pensar, produzir teatro/cultura. Quando a gente se afasta às vezes enxerga mais de perto coisas que a gente quando está muito de perto não consegue ver. Enquanto estava lá me dei conta de como no Brasil temos uma cena teatral cultural de muito movimento, como têm grupos e coletivos investigando, construindo uma cena viva mesmo, não acho outra palavra. Lembrei agora daquele trecho da música do Gil “hoje eu me sinto, como se ter ido fosse necessário para voltar”... Aliás, “A Invenção do Nordeste” vai voltar em cartaz no Rio agora em julho, no teatro Carlos Gomes!













Deborah Figueiredo
Atriz





   








         

Moléstia, espetáculo no qual você faz a personagem Madre Conceição, em cartaz no Teatro Glaucio Gill, aborda a temática do abuso infantil e após as sessões de domingo há debates. Como tem sido a reação do público e os debates?

A participação do público é muito ativa. Descobri em Moléstia que o público adora ter esse contato junto aos atores e, mais ainda, poder discutir sobre os vários assuntos que o espetáculo aborda. É muito gratificante perceber que, quase na maioria absoluta, todas as pessoas que estão nessas sessões especiais não vão embora do teatro, eles ficam e participam dos debates! É muito legal!


Atualmente, a maioria dos espetáculos fica pouco tempo em cartaz. Como foi a experiência de ter atuado durante muitos anos no espetáculo "Trair E Coçar É Só Começar", comédia de Marcos Caruso que entrou para o Guiness, o livro dos recordes?

Foi de fato uma segunda graduação em Teatro. Tive que me adaptar a um elenco que já estava entrosado (entrei substituindo uma atriz que por um problema pessoal teve que sair da sessão no intervalo do Trair...) e, na verdade, sem ter ensaiado mesmo! Acabei permanecendo no elenco e aprendi muito enquanto estive no Trair... Fazer comédia não é fácil, o que dá certo com uma plateia não funciona com outra... Não cristalizar reações, tentar sempre estar presente, ouvindo o texto, mesmo já tendo feito N apresentações, enfim, por tudo isso é que considero que "Trair e Coçar, É Só Começar" foi como uma segunda escola de teatro!


Você é formada em artes cênicas pela UNIRIO. No seu entender, qual a importância da formação acadêmica no desenvolvimento de artistas?

Vou falar de mim, eu não tive grupo de teatro amador na escola, na igreja, no clube...A UNIRIO foi onde pisei no palco pela primeira vez. Onde conheci os amigos que tenho até hoje. Onde conheci o homem com quem me casei, então a UNIRIO foi absolutamente fundamental na construção da pessoa que sou hoje. Gostaria muito que os jovens que pensam em ser atores escolhessem com cuidado as instituições aonde irão se qualificar, porque de fato isso pode direcionar a sua forma de encarar a profissão, que não é nada fácil, até emocionalmente falando!


Você recebeu o prêmio de melhor atriz no VI Festival de Novos Talentos do Teatro e já atuou em novelas e campanhas publicitárias. Quais têm sido os maiores desafios em sua carreira?

A resiliência. O controle emocional frente à instabilidade da profissão. E também, apesar de tudo, não deixar de sonhar. Mesmo que só um pouquinho de você acredite, deixar que esse pouquinho sobreviva!


Muitos espetáculos têm utilizado outras linguagens na encenação como a fotografia e o audiovisual. O que pensa a respeito?

Acho que essas linguagens podem adicionar e acrescentar muito ao teatro. Em Moléstia, o diretor Marcéu Pierrotti optou por usar uma câmera em cena e tenho que confessar que no início fiquei meio perdida em relação ao resultado final dessa interseção de linguagens, mas quando tudo ficou pronto tive que me render à magia dessa mistura! Já vi espetáculos que utilizavam recursos tecnológicos e que igualmente tinham resultados belíssimos! Acho que desde que essa mistura de linguagens favoreça a estória, sou dessas que amam teatro que te conta uma estória, por quê não?


Como se dá o processo de criação de suas personagens?

Intuição. Parece meio simplista responder assim, mas essa é a verdade. Uso da minha reserva intuitiva. E penso um pouco como o personagem deveria falar, com qual registro. Mais para o grave? Mais agudo? E o jeito de andar? É duro? Rebola? Os braços se agitam? E por aí vai...







                       
                   

Daniel Dias da Silva                                  Produtor,diretor, ator e tradutor





 A Territórios Produções  Artísticas e a Lunática Companhia de Teatro na qual você já exerceu várias funções, tais como tradutor, diretor e ator vêm apresentando espetáculos instigantes como ¨Matador¨, ¨O Princípio de Arquimedes¨ ,¨Esse Vazio¨ e ¨O Cego e o Louco¨. Como se dá a escolha do repertório? Qual a marca, a assinatura , a característica mais apropriada para definir a Companhia?


Eu costumo dizer que a Territórios existe para tirar do papel e concretizar as ideias e os projetos que são gerados a partir dos nossos anseios, das nossas inquietações. Mas, da mesma maneira como não existe uma estrutura interna rígida, cada processo de trabalho tem se revelado único. E essa fluidez tem nos permitido trocar experiências, agregando novos parceiros e novos olhares, além de circular por diferentes funções, criando uma dinâmica mais rica e instigante para todos que participam do processo.

A escolha dos textos também se dá de forma espontânea, mas a partir de uma busca incessante por autores contemporâneos que consigam traduzir o mundo e o tempo em que vivemos: esse tem sido o traço comum a todos os nossos trabalhos, refletir e questionar a realidade à nossa volta, provocar o público a sair de sua posição passiva de mero espectador e fazer com que ele saia dali impulsionado a encontrar suas próprias respostas e refletir sobre si e sobre o mundo.


No seu entender o Teatro dá respostas ou formula perguntas?

Eu acho que no teatro cabe um mundo de possibilidades, mas me interessa a arte da provocação, acho que formular perguntas é a essência da arte e, especialmente, do teatro. Para mim, o teatro que dá respostas empobrece, torna-se uma cartilha, uma experiência fria de laboratório, ao passo que formular perguntas provoca o espectador a ir em busca de suas respostas, como a filosofia.


Qual o limite da arte?

Acho que a arte acaba quando ela se torna um manual de procedimentos e métodos, de regras impostas e quando se vê reduzida à mera função de agradar aos sentidos.


O que pensa sobre o Teatro no Rio de Janeiro no momento em que, em sua maioria, as temporadas duram apenas três semanas?

Infelizmente, temos vivenciado uma grande crise econômica, política e social sem precedentes e, naturalmente, isso tem afetado enormemente o setor cultural: temos visto uma série de espaços e salas de teatro fechando as portas, os editais de fomento desaparecendo, os espaços de divulgação cada vez mais restritos e com alto custo, a crítica especializada tornou-se quase inexistente e limitada a um espaço mínimo, o fluxo de espectadores minguando por conta da crise econômica e da violência e um total desaparelhamento das políticas públicas para o setor criativo.

A redução das temporadas foi uma forma que os teatros encontraram para atender a uma demanda crescente de produções, reduzir custos e viabilizar uma certa rotatividade de espetáculos. Isso tem sido danoso, pois não tem permitido o tempo de maturação necessário a qualquer obra de arte, não tem permitido que a informação circule no "boca a boca"...

Existe uma cegueira política em relação ao potencial do setor criativo que pode oferecer uma grande contribuição para a recuperação da economia e da autoestima do nosso povo. A arte e a cultura, assim como a educação, não deveriam jamais ser vistos como custo, gasto e sim como investimento. Por outro lado, esse momento difícil tem nos obrigado, artistas e produtores, a nos reinventar, a buscar novos caminhos de criação e de produção, encontrar novas estratégias de divulgação, fazendo uso das redes sociais, por exemplo. Tenho visto o desenvolvimento de trabalhos autorais e propostas originais como resposta a estes desafios.

  
Você é o tradutor no Brasil do autor catalão Josep Maria Miró.  No seu ponto de vista, qual  a maior dificuldade  enfrentada pelo tradutor? 

São alguns desafios... o primeiro deles é, claro, apropriar-se da obra de um outro artista, buscar compreender as motivações e inquietações que o levaram a escrever aquele texto, absorver seu estilo, ver o mundo através de seus olhos, compreender o contexto em que aquela obra foi criada e, para isso, torna-se necessário, muitas vezes, dar-lhe um novo significado para poder comunicar-se com uma outra realidade, diferente daquela em que ela foi gerada e atingir um novo público, com um idioma diferente, com outras referências, outras vivências.

Quando se trata de um autor como Josep Maria Miró, este trabalho torna-se, ao mesmo tempo, desafiador e instigante, pois ele tem um domínio absoluto da sua dramaturgia e nada está colocado por acaso, tudo tem um sentido e uma razão de estar ali. Neste caso, a parceria e a identificação entre autor e tradutor são fundamentais.
 



¨O Cego e o Louco¨ teve uma exitosa trajetória no Sesc Copacabana, com sessões esgotadas com muita antecedência. A que você atribui o sucesso do espetáculo? Há algo em vista para uma nova temporada?

Ainda estamos tentando compreender o que se deu ali, pois foi algo mágico e especial. Mas acredito muito na qualidade da dramaturgia da autora Claudia Barral, que sempre me cativou. O texto tem um incrível poder de comunicação com o público, sem se render às armadilhas de tentar torná-lo fácil e palatável. O espectador vai se identificando com a relação cotidiana daqueles dois irmãos, com seu jogo, às vezes cruel e outras vezes afetuoso, de poder, de solidão, ao mesmo tempo que se delicia com a poesia do texto até a revelação final que provoca uma guinada e redefine aquela relação . E acredito, também, que houve uma misteriosa e inexplicável química entre a equipe, uma conjunção de forças, de afetos e de trajetórias que se combinaram de forma equilibrada. Tudo isso com uma direção apurada e muito delicada do Gustavo Wabner, que soube reunir, agregar e direcionar todos estes talentos, sem titubear no ponto que queria chegar. Quando essas forças se combinam, a mágica acontece e fica impresso no resultado final.

 Estamos batalhando para voltar com o espetáculo e circular. Este é um dos nossos desafios e mais um gargalo para quem produz, mas a luta não acaba e esperamos em breve ter novidades de uma nova temporada.

 




                     

Herton Gustavo Gratto
 Dramaturgo, roteirista e ator





Em 2018, dois espetáculos de sua autoria estiveram em cartaz, ¨Moléstia¨ e ¨Eu Só Queria Que Você Não Olhasse Pro Lado¨. Que temas interessam a você trazer à tona? 


 Em 2018, na verdade, ficaram quatro peças em cartaz. ¨Moléstia ficou em cartaz em duas temporadas, a primeira no espaço Reduto, em Botafogo e a segunda temporada foi no Teatro Glaucio Gill. Além de ¨Moléstia¨, ¨Rugas¨ teve duas temporadas no Maison de France e agora está na terceira temporada, no teatro Glaucio Gill também. Além dessas duas peças, também ficaram em cartaz ano passado ¨ Sujeito a Reboque¨, uma peça que fala sobre  a arbitrariedade do sistema,  a dificuldade com a burocracia que a gente enfrenta, que ficou em cartaz também no  Reduto, em Botafogo e ¨ Eu Só Queria Que Você Não  Olhasse Pro lado¨ , que ficou em cartaz no Sérgio Porto. Lembrando que ¨Rugas¨ e ¨ Eu Só Queria Que Você Não Olhasse Pro Lado¨ estrearam na FITA, em Angra dos Reis, e ¨Rugas¨ me rendeu o prêmio na FITA de melhor autor, de autor Revelação.  Então, foram quatro espetáculos em cartaz.
 Com relação aos temas que me interessam, eu sou muito atravessado por questões do cotidiano, questões políticas que reverberem, na verdade, nas relações humanas. Não a política panfletária, não esse lugar, mas me interessa muito discutir, colocar uma lente de aumento sobre a política das relações, sobre as relações que sobrevivem de aparência, sobre a hipocrisia que está debaixo do tapete, sobre as agruras do sistema. Eu acho que me interessa muito falar sobre a humanidade que existe, que habita nas relações.  Entende-se por humanidade o que há de melhor, o que há de pior também.  As faltas, as ausências, o que não é dito e é colocado debaixo do tapete.



Acha que o fato de ser também ator auxilia na construção da sua dramaturgia? Como se dá seu processo criativo?


 Eu acredito que o fato de ser ator, com certeza, colabora para que eu construa diálogos mais fluídos. Acho que eu consigo construir uma dramaturgia entendendo o que pode caber ou não na boca do ator. Então, acho que ajuda sim e o meu processo criativo não é cartesiano, não tem um único método, ele pode começar a partir de um ¨insight¨ que pode vir de uma música, de uma notícia  de jornal, de uma conversa que eu ouço na rua, de um livro que eu leio, de uma peça que eu assisto, o ponto de partida é variado e a construção também se dá de várias formas.  Eu, às vezes, escrevo um texto do começo ao fim, vem um jorro ali e depois eu retorno ao texto no segundo, no terceiro, no quarto, no quinto tratamento recheando esse primeiro jorro, cortando o que sobra. Às vezes, a escrita se dá de uma forma mais racional onde eu desenvolvo uma sinopse, depois uma escaleta e vou gradativamente escrevendo, então o ¨modus operandi¨ é muito variado. Ele, às vezes, é muito caótico. Às vezes, ele é muito organizado, varia muito de cada experiência, de cada história que eu decido contar.



Você recebeu o Prêmio FITA em 2018, na categoria Revelação pelo espetáculo ¨Rugas¨,  que está em cartaz no Teatro Glaucio Gill, com direção de Amir Haddad. Quais suas impressões sobre o espetáculo e sobre a importância da premiação?


 O espetáculo tem uma importância definitiva na minha carreira. Em primeiro lugar porque eu estou rodeado de pessoas muito potentes, muito engajadas no fazer teatral, com desejo de compartilhar com o público uma experiência legítima, sincera, que atravesse, que provoque, que questione. Então, estar cercado por um time de profissionais que compartilham desse valor é muito rico. É uma experiência definitiva, porque ter a oportunidade de estar trabalhando com Amir Haddad, de ter um texto dirigido por ele, de aprender com ele é uma experiência única, definitiva e irremediável. É uma experiência que não tem volta.
 Tocar nesse tema velhice, na passagem do tempo, na finitude, eu acho que é um tema que abarca todas as pessoas, que todo mundo, se tiver sorte, vai ficar velho, se não morrer antes, né?  Então, acho que é um tema de extrema identificação.
 A importância do prêmio é muito grande porque eu acredito que o reconhecimento de um prêmio como a FITA me permite expandir o diálogo com outros profissionais, eu acho que amplia a curiosidade sobre o meu trabalho e possibilita estabelecer conexões outras com outros profissionais que eu desejo trabalhar e, a partir de um reconhecimento de um prêmio dessa importância, eu acho que meu trabalho potencializa e como o meu desejo é me comunicar com um número cada vez maior de pessoas, de profissionais interessantes, acho que o prêmio tem essa legitimidade.



O que você diria para novos autores que pretendem ter textos montados?


 Eu diria o que ouvi quando comecei a escrever.  A primeira coisa é escreva, escreva, escreva, reescreva, leia bastante e quando eu digo ler é ler livros, ler teatro, ler filmes, ler a vida,  ler o outro em tempo integral. Quanto à realização se juntem com pessoas legais, bacanas, com pessoas que tenham o desejo de realizar. Não fiquem deixando o texto na gaveta não, coloquem  ele para jogo e se juntem com pessoas legais.



 Quais são seus projetos para essa temporada?


 Atualmente, eu faço parte da equipe de roteiristas do programa ¨A Vila¨ que é um programa de humor, do Multishow, protagonizado pelo Paulo Gustavo, isso na TV. Mas,  no Teatro eu tenho em vista um projeto chamado ¨Sobreviventes ¨ que fala sobre a relação entre um ator e um espectador, um espectador que chega para assistir uma peça que foi cancelada por falta de público e exige que o ator encene a peça.  
 Além disso, tem outro projeto chamado ¨Quanto Você Pesa? ¨, que também é com dois atores, o Felipe Dutra que fez ¨Moléstia¨ e Alexandre Dantas que é um cara que eu admiro bastante e ainda não trabalhei. A gente está definindo direção, produção... Essa peça ¨Quanto Você Pesa?¨ conta a história de um escritor que recebe no seu apartamento um garoto de programa e eles estabelecem um jogo de poder,  de sedução e, ao mesmo tempo, esse jogo vai trazendo à tona a solidão que cada um deles alimenta nessa vida louca de cidade grande. Esses são os dois projetos que estão encaminhados e também tem uma comédia chamada ¨Os Equivocados ¨, com oito atores, uma comédia  que fala sobre as agruras que atores equivocados vivem e se submetem na busca equivocada pela fama. Nesse trabalho ¨ Os Equivocados¨ a gente tem oito atores , entre eles o Gigante Léo que é um cara  da comédia, um cara superengraçado, engajado com vários projetos legais e ele está conosco nessa empreitada. É uma peça bastante engraçada e, ao mesmo tempo, faz uma crítica muito grande a essa sociedade imediatista que busca uma fama, uma popularidade a custo do que eu não sei.







    


   João Luiz Azevedo


Produtor Cultural, Jornalista, Assessor de Imprensa e Marketing





Para quem não conheceu, poderia descrever o que foi o Jornal TEATRARTE?


  O Jornal Teatrarte foi o encontro de jovens sonhadores – Sergio Melgaço, Carlos Louzada, James Pinheiro, Jaycia Loureiro, Claudia Gonçalves Pinto e eu - que nos reuníamos semanalmente para editarmos e publicarmos um jornal de qualidade sobre TEATRO no final dos anos 80. Com uma tiragem de cinco mil exemplares mensais, distribuídos gratuitamente nos principais teatros e centros culturais da nossa cidade. Um sonho para os tempos atuais.
 Na época, cerca de quinhentos jornalistas e artistas formadores de opinião recebiam (também gratuitamente) o jornal em casa, pelos correios, através da nossa mala direta. O jornal tinha espaço para críticas, comentários, entrevistas e páginas exclusivas sobre o Teatro Infantil e a Dança.
 Foi através deste jornal que eu, como editor (ir)responsável por ele, cresci intelectualmente e (re)conheci (um pouco) da obra de Gerald Thomas, Moacyr Góes, Amir Haddad, Mauro Rasi, Miguel Falabella, Aderbal Jr. (agora, Aderbal Freire-Filho), Paulo Afonso de Lima, Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro e tantos outros que já faziam sucesso na época. 



Como produtor de dezenas de peças teatrais, dentre elas “Os Dálmatas – o Musical” com Berta Loran, Lady Francisco ; “O Diário de Debora” de Liliane Prata; “That’s Besteirol” de Mauro Rasi, Vicente Pereira e Miguel Falabella, com Aloísio de Abreu e Luís Salem, além de muitos shows com os mais variados artistas, em diversos teatros da cidade, o que pensa da Lei Rouanet?


 Por mim, ela pode acabar. Privilegia sempre os mesmos e encarece o mercado de trabalho. Se eu posso produzir tantos espetáculos – todos citados acima – sem um único centavo de patrocínio, tantos outros produtores também podem fazer o mesmo. É inadmissível que um único espetáculo teatral capte dez, doze, quinze milhões para cumprir temporada de dois, três meses no RJ, cobre ingressos a preços elevados, muitas vezes com três dígitos e depois tire de cartaz.
 Há muito tempo, eu ouvi falar sobre a indústria do fracasso. É isso, para alguns produtores, o fracasso traz mais lucro que o sucesso. O sucesso obriga o produtor a manter o espetáculo em cartaz e, com isso, faz com que o produtor gaste parte do dinheiro do patrocínio em aluguel de teatro, anúncios nas grandes mídias, além de bancar os salários de toda equipe. Com o fracasso, ganha-se mais. Tira-se de cartaz e bota parte do patrocínio no bolso... Infelizmente é assim! Quer ver um exemplo? Quais espetáculos que mais tempo estão ou ficaram em cartaz? “Trair e Coçar é Só Começar”, em cartaz até hoje em SP, mais de trinta anos em cartaz, sem um único patrocínio. “O Mistério de Irma Vap”, Latorraca e Nanini ficaram onze anos em cartaz, mudaram de vida economicamente, mas sem um único patrocínio.  Só dinheiro de bilheteria.



Você é radialista, jornalista, produtor e mais que isso, um agitador cultural. Com a multiplicidade das redes sociais, qual sua dica para a divulgação de espetáculos alcançar êxito?


 Vivem me perguntando isso...rs
 A minha dica é sempre a mesma, se você não tem grana, o melhor que se tem a fazer é usar as mídias sociais a seu favor. Se você tem muitos amigos e/ou seguidores, consegue-se divulgar o espetáculo e/ou show entre eles e esses entre os amigos deles também... Mas, para o êxito do projeto, é necessário que o evento agrade o público.  Muitas vezes, agradam muito ao diretor de marketing da empresa patrocinadora e esquecem de agradar o público, que deveria ser o alvo principal.



O livro “Berta Loran – 90 Anos de Humor” é de sua autoria. Poderia comentar sobre o livro e sobre a importância das biografias no cenário artístico?


  Mais um projeto sem um único centavo de patrocínio...rs
 Sou amigo da Berta Loran há vinte e cinco anos e pouco antes dela completar 89 anos, em um jantar, propus a ela a homenagem pelos seus 90 anos.  O livro nada mais é do que um MUITO OBRIGADO BERTA por tudo que aprendi com você. Foi ela que me ensinou a produzir teatro, empresariar e assessorar artistas. Toda a minha história de produção cultural começou com ela quando, sem me conhecer muito bem, me convidou para empresariá-la e produzir seu show “Divirta-se Com Berta Loran”, em 1994. De lá pra cá, foram muitos artistas, como o Costinha, Dercy Gonçalves, Bemvindo Sequeira, Tutuca...
 O grande barato de se escrever uma biografia é saber que aquela pessoa biografada, através do seu livro, do seu texto, de sua ideia, não será esquecida posteriormente.  Certamente, isso é a glória para o artista, saber que será eternizado nas páginas de um livro biográfico. No caso do meu livro – “BERTA LORAN: 90 ANOS DE HUMOR” – Uma Homenagem do João Luiz Azevedo à atriz Berta Loran, foram treze meses de pesquisas e colhendo entrevistas e depoimentos de cento e dezesseis artistas, jornalistas e familiares da biografada. O livro tem a ‘orelha’ escrita pela Bibi Ferreira e a apresentação do Claudio Botelho, com muitas fotos e histórias, tristes e alegres. Uma aula de vida. Emocionante, não tem quem não chore e gargalhe ao mesmo tempo.



A página no Facebook ¨Grátis ou Quase Isso¨, administrada por você, levou um número expressivo de pessoas aos espetáculos. O que motivou a iniciativa?


 Na verdade, a criação desse grupo tornou-se uma necessidade pelas inúmeras vezes que eu oferecia a amigos convites para determinadas peças teatrais, em determinados dias e horários, e sempre me perguntavam se podia ser para outro dia ou para outra peça ou para outra sessão, daí resolvi criar um grupo de promoções para os amigos, depois foram adicionados colegas e, hoje em dia, tem quase 100 mil pessoas.  Nesse grupo, eu posto informações da peça teatral (ou show) oferecido e os participantes estão cientes que só podem escolher aquela peça naquele dia informado por mim. É muito chato você perguntar para o coleguinha:¨ Fulano, quer ir ao teatro hoje?¨. Ele responde: ¨Hoje não posso, mas posso ir amanhã ou semana que vem!¨. O convite é para hoje e não para amanhã ou para depois. É pegar ou largar.
 Houve épocas em que eu cheguei a oferecer convites para trinta peças teatrais diferentes por semana. Uma loucura isso, eram centenas de convites que eu oferecia por semana. Muita gente se divertiu às minhas custas, de graça, sem pagar um centavo e ainda faltavam ao teatro, pediam os convites e não iam , alguns ainda tentavam vender os convites na porta dos teatros. Uma vergonha.
 Na verdade, esses sorteios eram bacanas para os produtores porque eu divulgava os espetáculos em um grupo com mais de 100 mil pessoas e era interessante para quem ganhava os convites porque se divertiam sem pagar um tostão. Nessa brincadeira, só eu não ganhava nada com isso, além de perder muitas horas de sono, somente muitos aborrecimentos... Mas, fazia com carinho.  É muito bom poder oferecer (gratuitamente) algo que deixe as pessoas felizes, sem esperar nada em troca.



Você está atualmente produzindo shows e o espetáculo musical ‘Gonzaguinha: O Eterno Aprendiz’, no Teatro João Caetano.  Quais são os shows e quais dificuldades tem enfrentado no cenário atual?


 Sim, atualmente estou com o musical GONZAGUINHA de sexta a domingo e o “Projeto 15 PRAS 7”, às quartas e quintas-feiras, onde levo grandes artistas e shows bacanas para o Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes. Preços populares – R$20,00 a meia e lista amiga a R$15,00 – sem nenhum centavo de patrocínio também... Aliás, tudo que faço e fiz é sem patrocínio e não reclamo disso, (modestamente falando) sou criativo suficiente para saber driblar as diversidades que a falta de grana me impõe.
 Além desses shows, estarei apresentando na Sala Baden Powell, em Copacabana, o show de stand up comedy “DONA ENCRENCA SÓ MUDA O ENDEREÇO”, com o humorista Bemvindo Sequeira (dias 02 e 03/02), os shows “NO TEMPO DOS FESTIVAIS” (dia 13/02), os GOLDEN BOYS comemorando sessenta anos de carreira artística (dia 15/02) e o show do rei das marchinhas JOÃO ROBERTO KELLY com a participação de JANE DI CASTRO (dia 17/02).
 Em março, apresentarei a comédia “PÃO COM OVO”, que estou trazendo de São Luís do Maranhão, para se apresentar por três semanas no Teatro João Caetano, além de vários shows no Teatro Clara Nunes (Shopping da Gávea), apresentação de GONZAGUINHA em algumas lonas culturais da prefeitura, Angra dos Reis e Belo Horizonte e mais algumas outras coisinhas que vão rolar, mas não me lembro agora...rs



Você teve uma coluna na rádio Nossa Senhora de Copacabana (98,7 FM) chamada “Qual é a Boa?” sobre programação cultural. Poderia falar sobre essa experiência e se existe um perfil dos ouvintes?


  Sim, tive, mas não tenho mais...rs
 Acho que a qualidade e a quantidade dos meus convidados irritou um pouco o apresentador-dono-do-programa. Na verdade, esse foi o terceiro programa de rádio que participei. Anteriormente, já havia participado de dois programas da jornalista Sonia Monte. Sempre dando Dicas Culturais. Foi ali que peguei experiência de rádio, de entrevistar as pessoas, de falar com os mais diversos personagens.
 As três rádios que participei eram muito fracas de audiência, eram rádios comunitárias. Na Radio Nossa Senhora de Copacabana, algumas vezes fazíamos o programa todo e ao final sabíamos que não estávamos no ar. Uma vergonha. Na maioria das vezes, os ouvintes eram nossos colegas que eram informados por mim que estaria naquele horário, naquele programa, naquela rádio, com aqueles convidados. Fiquei ali, pouco mais de um mês e levei gente de expressão para o programa, gente de talento, de gabarito, gente do meio como os radialistas Hilton Abi-Hian e o Sergio Ricardo que trabalharam durante muito tempo na rádio Globo.
 Tenho convites para assumir duas rádios pela web, não sei se é isso que quero no momento, mas isso pode mudar em segundos... Quem sabe eu não volto a fazer rádio nesse novo ano que se inicia?


  
Pela sua experiência, o rádio ainda é um veículo de grande alcance e importância para a formação de novas plateias?


 Nunca fiz rádio para garantir plateia nos meus espetáculos. Muitas vezes, indicava outros espetáculos e não comentava os meus. Nunca achei bacana ficar falando somente dos meus shows, das minhas peças teatrais, dos meus projetos. Apesar de sempre produzir muito, nunca me importei em abrir mão do meu espaço, da minha divulgação para divulgar outro evento que não fosse meu e que eu considerasse importante naquele momento. Eu nunca abri mão da qualidade das minhas dicas em prol de amigo (ou colega) nenhum. A única coisa que levamos dessa vida é a palavra, sinceridade e profissionalismo. Nunca abri mão disso em prol de alguns amigos pouco talentosos...














Priscila Camargo

Atriz e Contadora de Histórias



Você foi indicada ao prêmio Mambembe de melhor atriz no ano seguinte em que se tornou atriz profissional. O que representou para você esse reconhecimento no início da sua carreira?


  Foi uma coisa muito particular porque naquele tempo não havia o prêmio apenas para o ator, era um prêmio revelação geral e naquela época o Klauss Vianna foi indicado, era a primeira direção dele, pelo espetáculo maravilhoso que se chamava “Tempo de Espera”, então concorreram eu como atriz revelação, ele como diretor revelação e alguns outros atores, enfim, outros trabalhos como revelação. E aí ganhou ele, era mais que justo porque o trabalho era belíssimo, não fiquei nada triste por ele ter ganho porque eu também concordava que o trabalho era belíssimo. 

Para mim, ser indicada foi muito importante, foi muito bacana, foi aquela confirmação de que era isso mesmo que eu queria, ainda mais no início da carreira que a gente tem muitas dúvidas, então foi muito importante para mim ter sido indicada logo no ano seguinte a  começar a trabalhar.


Você trabalhou em teatro, televisão e cinema. O que considera importante para o ator que atua em veículos tão diversos?


  A gente se liga um pouco na dificuldade de cada um, mas é na realidade a mesma coisa, ou seja, o preparo do ator é o mesmo. Você vai pensar no personagem, vai elaborar o personagem e você vai trabalhar com a emoção dele em qualquer veículo, então não tem assim diferença, mas há umas particularidades. 

Todos os atores vão concordar que o teatro é o mais difícil porque ele é ao vivo, ele requer muito mais concentração, muito mais presença do ator e os outros veículos como a televisão e o cinema já são um pouco mais parecidos, também requerem concentração, mas eles são de uma outra natureza porque claro que ninguém quer errar, a gente quer acertar sempre de primeira, mas depende de muitas coisas e, às vezes, o ator nem sempre fica no primeiro plano porque faz maravilhosamente bem a cena, mas teve uma falha técnica, teve uma falha da luz , às vezes o outro ator que contracenou esqueceu o texto ou você mesma esqueceu o texto. 

Então, há uma diferença nessa situação dos veículos, mas o trabalho do ator é o mesmo, basicamente ele é o mesmo, com a diferença que o teatro exige mais da gente.


Desde 1996, você vem apresentando trabalhos adultos e infantis como contadora de histórias. Como surgiu na sua vida essa segunda profissão?


 Eu me tornei contadora de histórias realmente por uma necessidade interna de contar histórias porque eu acabei sofrendo um acidente e isso me mostrou um outro lado, um lado mais sutil da vida que eu desconhecia, do nosso mundo, do estar aqui nessa terra, da nossa função, da importância nossa nesse mundo.

Após esse acidente, onde eu tive uma experiência mesmo extrassensorial de me ver fora do corpo, enfim, de ter tido sensações que eu desconhecia, comecei a buscar o que era aquilo, passei a ter um período de uma grande busca espiritual e foi nesse momento que eu conheci os Contos Sufis, os contos tradicionais, esses contos de sabedoria, esses contos que passam realmente um conhecimento e uma mensagem que são o conhecimento mais importante da vida, desse nosso mundo, para o ser humano ser mais feliz e estar melhor nesse mundo. Então, a partir desse momento eu comecei a buscar as histórias , isso foi em  87 quando sofri esse acidente e aí comecei a buscar aonde eu poderia me tornar contadora de histórias.

Em 87, eu assisti ao primeiro trabalho de contação de histórias e foi quando eu tive um ¨insight¨.  Eu falei:  ¨Eu vou fazer isso, mas vou fazer diferente. Como sou atriz eu vou fazer usando o cenário, figurino, objetos e tudo mais. ¨ E aí em 96, foi que na verdade eu consegui estrear o primeiro espetáculo. Eu costumo dizer que eu fiz para salvar a minha alma, eu me tornei contadora de histórias para consertar e salvar a minha própria alma. E aí eu pensei:  Bom, se eu conseguir salvar mais algumas vai ser bom, né? ¨ E quando eu digo salvar é no sentido de possibilitar ¨insights¨. Possibilitar que a pessoa ao ouvir, ao assistir aquela história, ela tenha uma experiência interna, eu acho que é para isso que as histórias servem, para possibilitar que a pessoa vivencie essa história internamente e é com essa intenção que eu conto histórias.

Hoje já são sete espetáculos, sendo quatro para crianças e três para adultos. Eu comecei na verdade com o ¨Boca a Boca¨, a Antiga Arte de Contar Histórias que é para adulto. E aí pensei: ¨ Tinha tanta criança que ia ver e que gostava. Eu vou fazer um para criança. ¨ Depois fiz outro para adulto, depois fiz outro para criança, enfim e fui indo. E agora, já são sete. Então, eu considero assim o trabalho de contadora de histórias, o trabalho do meu coração, o trabalho que eu faço realmente com a minha alma e com essa intenção por trás, ou seja, de ser um trabalho para o coração e para a alma das pessoas.


Como foi representar o Brasil com Histórias da Mãe África e Histórias de Medo no Ano do Brasil em Portugal?


  Bom, foi muito legal ir a Portugal representando o Brasil nesse trabalho do Ano do Brasil em Portugal. Eu ganhei o edital com dois espetáculos, então isso foi superbacana.

Eu amo Portugal, eu sou também portuguesa, meu pai é português, eu tenho dupla nacionalidade e amo Portugal e acho, sinto, percebo que Portugal tem um grande amor às histórias e aos contadores de histórias. Há muitos festivais em Portugal, eles têm um amor e uma ligação muito grande com os contadores de histórias e esse caminho de que as histórias trazem conhecimento, que as histórias são conhecimentos antigos que vieram de todos os cantos do mundo, então isso é muito bacana e eu só pude ficar muito honrada de ter ido a Portugal com dois espetáculos:  ¨ Histórias da Mãe África¨ e ¨Histórias de Medo¨ que a direção foi da Aracy Cardoso.

O ¨Histórias da Mãe África¨ era da Cacá Mourthé e ¨Histórias de Medo¨ da Aracy Cardoso que também foi com a gente para lá e foi uma emoção muito grande, foram os músicos e foi a Aracy Cardoso também, que era diretora desse último. Ela já não está mais com a gente, mas era uma pessoa muito querida para mim, minha mãe de coração, foi muito bom ela ter estado conosco lá também nesse momento em Portugal.


Você poderia falar sobre seu Programa no Youtube ?


  Com relação ao programa no YouTube, faz parte da minha intenção de colocar as histórias na televisão. Eu acho que estamos muito precisados de programas com conteúdo realmente interessante, importante para as crianças e para os adultos também, cá entre nós. Você ligar a televisão e de repente ver alguém contando uma história que pode mexer com o teu coração, com a tua alma, pode te dar alguma ideia boa para você seguir em frente e poder realizar alguma coisa legal na sua vida. 

Com essa intenção eu comecei o programa no YouTube. Não tem televisão para a gente fazer, então vou fazer no YouTube, mas infelizmente não tive gás assim para continuar um programa por semana, era como eu fazia, então acabei fazendo quatorze e parei, mas não está descartado de continuar não, sabe? Eu tenho vontade de continuar e ainda persisto na ideia da gente colocar na televisão, especialmente para crianças, eu acho que seria muito importante. Então, foi essa minha intenção quando eu coloquei o programa no YouTube.


Você já ministrou curso de Contação de Histórias. Por que a vivência de contar histórias interessa a pessoas de diferentes profissões?


  Eu estou sempre dando curso de contação de histórias. Inclusive, eu estou agora iniciando um curso, a minha oficina começa na Cal dia doze de janeiro .São quatro sábados, três agora em janeiro e um em fevereiro, onde eu ministro uma oficina chamada ¨Aprendendo a Contar Histórias¨ na Cal (Casa de Artes de Laranjeiras), do Rio de Janeiro.

Então, eu estou sempre dando essas oficinas e faço onde quiserem. Já fiz até em Portugal, faço em outros estados, faço em vários locais essa mesma oficina que é um processo criativo aonde eu passo algumas técnicas de como se contar bem uma história. Na verdade, é como você estudar a história para contar bem. É um processo de estudo e também de vivência interna com as histórias. É muito bacana esse curso.

Eu acho que por isso interessa tanta gente porque as pessoas querem aprender a contar história até profissionalmente para também contar, às vezes a pessoa é ator ou é um animador cultural e tal, e também muita gente vai para desinibir, para aprender técnicas de grupo, de como lidar bem, conviver bem no seu trabalho, aprender a se expressar melhor, já tive muitos advogados e muita gente também com mais idade e que quer contar história para criança, quer contar história de maneira voluntária. 

Então, eu acho que contar história mexe com essa gama muito grande de pessoas. Gente que quer contar para fazer um trabalho voluntário, às vezes também jovem que quer fazer um trabalho voluntário de contar histórias em hospitais e orfanatos, para crianças ou idosos e pessoas que querem desinibir e aprender a falar melhor em público, a contar um caso publicamente e os atores também que querem abrir um outro canal porque eu acho que é muito diferente você ser ator e ser contador de histórias, embora tenham um canal parecido, um meio parecido, mas contar histórias é muito diferente de só ser ator.


Quais seus próximos projetos?


  Meus próximos projetos são, na verdade, fazer outro espetáculo para criança e outro para adultos. Estou pesquisando histórias e ainda vendo como é que eu sigo agora esse caminho. A gente está num momento assim bem delicado, mas que eu acho que já começa a ter um novo gás, eu tenho várias histórias na cabeça e tenho intenção de fazer dois novos espetáculos, um para criança e um para adulto.  Continuar fazendo oficinas, claro, e tenho também vontade de voltar à televisão.

No começo, quando eu fiquei só contadora de histórias, eu não queria fazer televisão que era para não misturar a energia de um trabalho mais comercial, muitas vezes, com esse trabalho que é tão artesanal e é tão interno na verdade.

Considero que contar histórias é também um trabalho espiritual e assim que eu me comporto com ele, mas acho que agora já não tenho mais medo disso não e até acho bom porque um ajuda o outro, então eu também tenho projetos de voltar para a televisão e fazer esses novos espetáculos. Agora, o que é que vai acontecer primeiro, como é que vai ser, só Deus sabe. A gente tem que estar aberto, desejar, batalhar e aguardar o que o Universo nos predispõe.















Robson Torinni

Ator e Produtor



Você poderia contar um pouco da sua trajetória como ator até chegar em Tebas Land?


Eu sou de Garanhuns, Pernambuco, quando saí de lá tinha dezoito anos e já fazia teatro amador no colégio com pessoal do Magiluth, com o Pedro Wagner e o Mário. É um grupo lá do Recife de teatro. Eu não era do grupo deles, eu fazia teatro no colégio com eles. Depois eles formaram esse grupo.

Quando tinha dezoito para dezenove anos, ganhei um concurso de modelo, no Pernambuco, da Ford Models e fui para São Paulo. A partir daí, as portas começaram a se abrir. Comecei a estudar teatro na Escola do Globe, lá em São Paulo, depois fui para escola de atores do Wolf Maya. Fora as oficinas que fiz. Até que o ator do teatro Oficina, Marcelo Fonseca, me chamou para participar de uma montagem que ele iria fazer fora do Oficina. Ele juntou uma galera, já tinha me visto numa peça lá no teatro do Wolf e me chamou. Fiquei um ano ensaiando essa peça. Minha primeira peça profissional, Joana d'Arc do Brecht. Quando eu estava ensaiando, prestes a estrear, uma produtora da Globo me chamou para fazer um teste para a oficina de atores. Foram cinco testes e eu passei. Estreei com a peça, fiz cinco apresentações e saí.

Vim para o Rio de Janeiro em 2011.  Acabou a oficina da Globo, no final de 2011, e entrei na faculdade de teatro. Tem dois anos que me formei na Universidade da Cidade que, inclusive, faliu. Infelizmente. Muito triste. Era maravilhoso! Os professores são os mestres que eu tenho no coração até hoje. Eu me formei e falei: “Preciso trabalhar”.

A gente sabe que ficar sentado esperando nada vai acontecer, então comecei a procurar texto para eu produzir. Achei o texto, mas primeiro fui atrás do diretor, o Victor Garcia Peralta.  Eu tinha feito uma leitura com ele num projeto, aqui no CCBB. É um ciclo de leituras em que os professores indicam alunos e eu fui indicado para fazer esse teste e o Victor me escolheu, ele e o César Augusto. Li os textos para eles e pensei em chamar o Victor para dirigir meu primeiro projeto. Tem aquela insegurança, ele nem me conhecia, o Victor é um diretor super reconhecido no Brasil todo, mas enfim deu certo. Ele aceitou e a gente achou o texto ¨A Sala Laranja: no Jardim de Infância¨ que estreou no ano passado, lá no Cândido Mendes. Foi uma delícia, super bem falado e a gente vai voltar ano que vem. Não tem data, mas vai voltar, pois tenho muito amor por esse projeto e foi um projeto lindo que as pessoas começaram a me conhecer, foi bom para todo mundo. O projeto foi bem falado, todo mundo foi bem falado, então está tudo certo.

Aí eu fui atrás de outro projeto para esse ano. Nós lemos vários textos, achamos o Tebas e a gente sabia que estava em cartaz em Buenos Aires. Fomos para Buenos Aires para assistir a peça. A gente já tinha pirado no texto e quando vimos a peça falamos: ¨É essa!¨ Fomos atrás do autor e depois de dois meses conseguimos fechar esse contrato. Isso tem um ano e oito meses e agora estreamos Tebas Land. Estou muito feliz com a receptividade das pessoas, com as críticas.

 É importante, pois é o feedback do nosso trabalho, então é só alegria. Eu me sinto muito feliz. Hoje veio uma professora minha da faculdade e ela falou : ¨Que lindo! Que lindo!¨. Isso não tem preço! A gente faz para emocionar as pessoas, para tocar de alguma maneira. Sempre que eu entro em cena falo: “Que eu toque o coração de alguém positivamente, que a faça refletir em algum lugar”.




Você tem sido muito elogiado por seu trabalho. Como está recebendo isso?


As pessoas elogiando é ótimo porque a gente vê que o trabalho está indo para o lugar que você queria que fosse, que é tocar as pessoas, mas o que eu falo muito é que não é um trabalho só meu. É um trabalho meu e do Otto, então se o Otto não estivesse tão bem em cena, eu não estaria tão bem em cena. É uma coisa muito em conjunto, eu, o Victor, o Otto e o pessoal da técnica. É um grupo. Fico muito feliz porque, na verdade, eu e o Otto aparecemos, mas tem tudo por trás. É uma alegria imensa estar no meu segundo projeto e estar sendo elogiado, as pessoas chegarem para mim e dizerem : ¨Que lindo te ver em cena, eu não te conhecia, que bom que você está nesse projeto ¨. Então, para mim está sendo muito, muito lindo fazer esse personagem e ter esse feedback, está sendo mágico e estou muito feliz, a felicidade para mim é o que está me movendo literalmente.




Alguns atores gostam de personagens complexos, difíceis. Que tipo de personagens você busca interpretar?


 Em relação ao tipo de personagem há esse lugar que eu gosto muito de habitar. Eu nunca tinha habitado, mas quando resolvi ser ator, na verdade nem sei se eu resolvi, acho que eu nasci já querendo ser, mas quando decidi levar a sério, levar a profissão a sério, o ofício a sério, queria personagens que fossem distantes de mim, mas que eu conseguisse representá-los, vivenciá-los, então por isso que vou para esse lugar que é o obscuro, que é o lugar que muitas pessoas não gostam de ir porque é pesado, te machuca, te faz refletir muito, que é o submundo.

 O Tebas Land me tocou em vários lugares, não só a mim, mas ao Otto também. Em vários momentos do ensaio a gente parava, porque tanto eu quanto ele, a gente se quebrava e não conseguíamos mais ir adiante porque realmente fala da gente. É como fala o texto: ¨Todos nós temos a nossa Tebas Land¨. Em algumas medidas. E os relatos que recebo das pessoas é de gente que foi violentada pelo pai, pela mãe, pelo irmão e que tiveram vontade de matá-los. Não fizeram isso, mas tiveram a vontade. Em algum lugar me tocou também, então a escolha desses personagens me faz refletir, me tornou um ser humano melhor. 

Com o personagem Martín tirei uns 90% do julgamento perante o outro. Hoje, meu exercício, que é difícil, é: antes de apontar me colocar no lugar da pessoa. Igual ao caso do Sandro, aquele do Ônibus 174 que todo mundo meteu pedra, quando foram atrás da história dele viram que ele não teve afeto, não teve amor, ele passou fome. Se eu estivesse no lugar dele eu teria feito a mesma coisa? Sequestrar e matar? Eu não sei, então como eu posso julgar uma pessoa que eu não estou no lugar? Mesma coisa o Martín, ele me trouxe isso. Como é que eu posso julgar o Martín que matou o pai, porque não justifica, não justifica, só que eu não estava na pele dele. É um garoto que nunca teve afeto, nunca teve amor de pai, sempre foi escrotizado, foi espancado, foi maltratado, passou por tudo, então ele chegou no ponto que ele mesmo fala:  ¨Não aguentei mais e matei ele¨. Então me fez refletir muito nesse lugar.

Acho que esses personagens trazem essas reflexões que é o que me interessa enquanto artista, enquanto ator. Por isso que me interessa ir para um lugar obscuro e outras pessoas não costumam muito frequentar esse lugar que eu gosto. É isso que vai me trazer alguma coisa. O tesouro está ali.




Você também é produtor. Como é a vida do produtor nesse cenário de falta de apoio, de investimento e de fomento à cultura?


Muitos amigos me perguntam isso. É muita força de vontade, é muita perseverança e convicção. Essa convicção você tem que ter. Para o Sala Laranja a gente não teve patrocínio, eu falei: ¨ Cara, eu vou deixar ela de pé. Vou me virar nos trinta e vou! ¨. Então, convoquei todos os meus amigos e falei: ¨ Vocês precisam me ajudar. Me ajudem com o que tiver¨. Peguei todo o meu dinheiro, investi nele e não tive retorno, a gente não tem retorno, a realidade é essa infelizmente, não se paga. Não dá para se pagar com teatro. O ator é o único que não recebe.
Então, foi assim. Eu fiquei esgotado porque em Sala Laranja eu produzia no dia a dia mesmo, fui atrás de tudo e ainda fazia como ator. Eu saía esgotado, esgotado, foi muito louco.

O Tebas, quando conseguimos os direitos, a gente sabia que tinha um texto muito bom. Já tinham pessoas atrás desse texto também aqui no Brasil. A gente falou: ¨Calma! Vamos escrever em tudo que é edital para ver o que vai dar ” e apareceu o da Oi. Isso foi em outubro, quando escrevi o projeto. Nunca tinha escrito nada, então pedi para vários amigos me ajudarem, passava noites e noites, eu não sabia nada, eu meti a cara. Eu, Robson, tenho isso para minha vida: “Vá e faça! Não sabe? Aprende!”. E eu estou aprendendo fazendo. Não fiz curso, não fiz nada. Eu tenho grandes amigos, graças a Deus, que me ajudaram. Então é isso: Vai fazer! Você faz e a coisa acontece.

A gente escreveu o projeto para o Oi, acho que foi em março ou maio, ligaram para a gente. Eu chorava, falei até para ela , que riu para caramba, que eu ia sair correndo pelado no meio da rua. Então, isso foi tão gratificante porque é o fazer. Eu tive milhões de problemas, chorava milhões de noite como eu chorei no Sala Laranja, mas não tem outro caminho, eu não vejo outro caminho a não ser fazer e com essa dificuldade toda que você falou. 

O patrocínio está morrendo, não tem incentivo à cultura, as empresas que incentivavam não estão mais incentivando porque estão inseguras com a questão da Lei Rouanet, os editais estão cada vez diminuindo mais, o patrocínio que tinha dos editais, que eram melhores, hoje diminuíram, mas ainda bem que tem, graças a Deus! Eu sempre olho para o lado bom, que bom que ainda têm pessoas e a Oi que acreditam na cultura e que podem mudar esse país porque está difícil a coisa. É muito difícil, é muito árduo. Falo com meus amigos que querem começar a produzir. Fico muito feliz porque hoje já estou inspirando amigos que se formaram comigo, isso é tão legal porque eles veem que não tem outro caminho a não ser produzir, a não ser fazer e eu falo que não é uma questão de dinheiro. Junte amigos, faz teatro de rua, faz no teatro municipal...é a vontade de fazer. É difícil, é duro, principalmente quando não tem dinheiro, mas eu falo para eles que ninguém vai comprar teu sonho como você. Se você tem um sonho, vai e realiza. O Victor sempre fala que é tão legal ver isso em mim. É meu sonho.  Se eu não fizer acontecer você não vai fazer, o fulano não vai fazer, ninguém vai fazer porque é meu, não é deles. No caso, sou eu e o Victor, o projeto é nosso. A gente foi com muita força, com muita sede ao pote porque é assim, não pode ser diferente, não dá para sentir, senão você fica parado.



O que você tem visto na temporada de encher os olhos e que você gostaria de ter feito?


 Eu vou muito ao teatro. Eu amo ver tudo, o pessoal até me enche o saco e diz: “Você não sai”. Tem dia que eu vejo três, eu amo ver infantil também, gosto de ver o que está acontecendo porque o ator tem que ir ao teatro. Não adianta a gente ficar numa corrente, nesse movimento para as pessoas irem e a gente não ir, nós precisamos ir também. Não é só ir à peça que estão falando bem.

Não só ir ao “Tom na Fazenda”, “Grande Sertão: Veredas”, que é maravilhoso, que me inspirou, eu queria estar naquele projeto com a Bia, sou louco para fazer um projeto com a Bia, é um dos projetos que eu fiquei muito encantado. Você tem que ver tudo, às vezes até um projeto que você não se identifica, que você fala: “Ah, pra que montar isso? ” Te ensina, eu sempre tiro alguma coisa da vida, eu nunca perco... ou eu ganho ou aprendo... então é isso, se eu não ganhei, eu aprendi alguma coisa ali, então eu levo isso pra minha vida.
O Grande Sertão é um projeto que eu queria muito estar. 

Tem um infantil que vi no Shopping da Gávea, “Lá Dentro tem Coisa”, que é maravilhoso! O segundo infantil mais lindo que eu vi esse ano, o primeiro foi “A Gaiola”, da Adriana Falcão. Os dois, por coincidência. Chorei no infantil, me senti ridículo chorando num infantil , mas é tão humano que não é tão infantil, quando eu vi falei: “Não é tão para criança não”.

Adulto, vi um que é um espetáculo francês, foi no festival aqui no Cena Brasil Internacional, que era um espetáculo maravilhoso. Era um projeto que pensei: “Meu Deus, como eu queria fazer um projeto assim”, lindo, lindo.

Aqui, vi Dogville que gostei também, achei bem interessante , são grandes atores em cena.

Esse ano vi uma peça que estava no Sergio Porto, “A Ira de Narciso”, que é do mesmo autor, Sergio Blanco, com o Gilberto Gawronski, que foi maravilhoso. Quando vi ele fazendo, a gente não tinha nem estreado ainda, pensei: “Meu Deus do céu! ”. Eu pensei em fazer o “Ira”, só que ele já tinha comprado, o Gilberto já tinha comprado. Quando vi ele fazendo, falei: “Nossa que lindo! Que tesão fazer essa peça!”

Eu fui ver uma peça que era maravilhosa, “ 220 cartas de Amor” , lá no Poeirinha, eu cheguei tinham 5 pessoas, me partiu o coração, porque o trabalho era tão lindo e com 5 pessoas na plateia, isso é tão triste...é tão triste quando as pessoas não conseguem ver o seu trabalho porque a gente faz para as pessoas, para a gente também, obviamente, só que para o público, para tocar as pessoas.



Você gostaria de acrescentar algo mais?


Eu quero acreditar que a gente vai melhorar, que a gente vai ter mais teatros, que a gente vai fomentar, deixar forte e parar com essa coisa de São Paulo e Rio, que São Paulo é melhor, não! Qualquer lugar está ótimo! Então, quero antes de morrer ver o Rio muito maneiro que nem São Paulo, com bons teatros, com boas peças, com pessoas indo ao teatro, o público indo ao teatro, isso é muito importante. Não só indo às peças de famosos, mas indo em qualquer espetáculo e realmente prestigiar.
E venham ver o Tebas Land!















 
                               



Rubens Lima Junior

Diretor teatral e professor de artes cênicas

  


Para quem não conhece, o que é UNI-RIO Teatro Musicado? Atores que não são da universidade podem participar das audições?

Uni-Rio Teatro Musicado existe desde 1995, a partir de um projeto que eu fiz como professor que foi o Cabaré Valentin. Eu reuni os alunos, fiz um teste e resolvi trabalhar a questão do Cabaré como um musical. Esse espetáculo ficou um mês em cartaz na Uni-Rio com muito sucesso e em seguida fomos convidados a participar de um festival em Madri, Festival de Outono de Madri, um dos mais importantes da Europa. Tivemos um prêmio de melhor espetáculo porque fizemos a mostra alternativa e ele virou um projeto que se propõe a estudar linhas e técnicas do Teatro Musical e desde então temos feito atividades teóricas e, recentemente, nos últimos nove ou dez anos, práticas anuais utilizando um espetáculo e fazendo a montagem.

Os atores, na verdade, são todos alunos de universidades federais devidamente matriculados, não podem se inscrever para fazer os testes alunos que não sejam de universidades federais e que não tenham a sua matrícula normal, quer dizer, cursando mesmo. Não é possível ter alunos com matrícula trancada. Qualquer aluno pode participar, de qualquer Universidade Federal, visto que muitos alunos têm diversas habilidades que não necessariamente possam estar ligadas diretamente com o teatro, como por exemplo a UFRJ que possui escola de dança, e pessoas que desenvolvem um pouco essa área de sapateado, canto. São todos bem-vindos.

Como professor do Departamento de Interpretação da UNI-RIO, o que considera importante na formação dos atores?

Eu acho que o que é mais importante na formação dos atores do Teatro Musical é trabalharem a interpretação. Eu tenho uma tese que o teatro brasileiro, o teatro musical brasileiro, ele tem a sua base, tem o seu DNA no teatro de revista que tinha uma questão muito forte ligada à interpretação, à criação de personagens. Acho fundamental que se tenha esse trabalho de formação de atores. Daí, dentro do meu trabalho a grande base não está propriamente no canto ou na dança. Existem sim o canto e a dança, mas a força está no trabalho de interpretação, de preparação desses alunos para serem atores, para depois virarem atores de musical.

O espetáculo dirigido por você, The Book of Mormon, foi considerado um fenômeno de público. Como se deu a escolha desse espetáculo, o processo e a que você atribui tamanho sucesso?

O Book of Mormon realmente fez um sucesso inesperado. De um certo modo, a gente teve uma ajuda da Barbara Heliodora, que era crítica do Globo e foi assistir ao espetáculo informalmente. Ninguém esperava que ela ficasse tão entusiasmada e fizesse uma crítica e isso resultasse numa primeira página no segundo caderno do Globo. Tradicionalmente, os espetáculos do Teatro Musical sempre lotaram na Uni-Rio, mas com essa matéria, essa crítica do Globo e fora outros jornais como a Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo, televisão, isso criou um burburinho e fizemos nove temporadas, no João Caetano, duas temporadas no Cidade das Artes, a UFF, a UERJ, fizemos o Tom Jobim. A escolha desse espetáculo foi basicamente uma pesquisa que eu estava fazendo sobre humor dentro do Teatro Musical contemporâneo, que tinha o Monty Python que foi o Spamalot, o Book of Mormon, o pessoal do South Park, e o Mel Brooks com o Jovem Frankenstein, então eu me programei para dirigir esses três espetáculos e aí aconteceu o Book, aconteceu isso tudo.

Bom, eu acho que o sucesso...eu acho que a dramaturgia é muito boa, ela é muito divertida, ela é anárquica, apesar de ter todos os padrões de um musical, eu acho que ela agradou em cheio as pessoas, a gente tem um humor mais solto, um humor mais anárquico e acho que a interpretação seduziu e trouxe esse público pelo prazer de gostar.

 O fenômeno se deu basicamente também porque como era um espetáculo gratuito e os espetáculos estrangeiros são gratuitos porque a gente não pode cobrar, nem é interesse da gente cobrar, então tinha gente que via dez, quinze, vinte vezes o espetáculo. Teve esse fenômeno também e foi legal porque a gente abriu um espaço incrível para pessoas que nunca tinham ido ao teatro e puderam ir assistir um espetáculo que foi considerado pela crítica de qualidade e recebeu prêmios, recebeu matérias, criou um certo ciúme de alguns do teatro profissional de ter um espetáculo universitário fazendo esse sucesso todo.

Você tem sido convidado para palestras nos EUA a respeito do Teatro Musical. O Brasil já pode ser considerado importante centro de produção de espetáculos musicais?

Eu tenho sido convidado para fazer algumas palestras em algumas universidades americanas, principalmente depois do Book, dado a curiosidade do que aconteceu e do tipo de processo que eu faço, que é uma coisa normal nos Estados Unidos. Não sei precisar direito, mas cerca de setenta universidades americanas têm um departamento de Teatro Musical e eles trabalham com formação de teatro, ator de Teatro Musical, que não tem no Brasil ainda. Na verdade, a Uni-Rio tem um ¨nichozinho¨ que é esse trabalho em cima do Teatro Musical, mas não existe ainda um departamento e isso foi muito importante.

Fora uma questão que também é legal de falar que o Brasil é hoje o terceiro país em produção de musical. Ele só perde, evidentemente, para os Estados Unidos e para a Inglaterra. Há uma produção grande de espetáculos musicais no Brasil, então acho que isso também puxou um pouco a importância e principalmente por eu ser professor e tive contato com alguns professores. Por exemplo, veio a Universidade de Michigan agora esse ano, que é uma das melhores faculdades em Teatro Musical nos Estados Unidos. Um grupo fez intercâmbio com a Uni-Rio a partir de um projeto e foi assistir esse ano ao Primo da Califórnia e eles ficaram encantados. Houve até um comparativo positivo a respeito do tipo de processo, do tipo de montagem que a gente faz aqui.

Você já dirigiu espetáculos premiados no Brasil, Espanha e Portugal. Além disso, também crítico de cinema e durante dez anos foi um dos diretores cênicos da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis. Quais são seus próximos projetos?

Já dirigi espetáculos no Brasil, na Espanha e Portugal, fui crítico de cinema na última fase do Jornal do Brasil porque também sou formado em jornalismo, fazia uma colaboração no Jornal do Brasil. Na Beija-Flor, trabalhei como diretor cênico da ala Uni-Rio e em um determinado momento, ainda na época do Joãozinho Trinta, eu dava uma orientada nas alas a respeito da questão cênica do carnaval e foi muito bom.

Meus próximos projetos, inicialmente nesse momento, estou em retiro para terminar a minha dissertação, a minha tese de doutorado, que devo defender em março de 2019, que é exatamente sobre esse trabalho, sobre o teatro musicado, uma nova pedagogia para o teatro musicado. Eu usei como base da minha pesquisa para poder fazer esse doutorado O primo da Califórnia que é meu último espetáculo.  Agora, projetos a gente tem vários, possivelmente o do ano que vem deve ser O Alienista, uma versão musical do Machado de Assis. Ainda não está fechado porque existe um grupo que trabalha dentro do Teatro Musical.


    











                   
                    


Clovis Levi                                                    

  Professor, autor, crítico e diretor teatral









                Clovis, como professor de Interpretação você formou muitos atores nos cursos ministrados na Fundação Teatro Guaíra, na Uni-Rio, na Cal (Casa das Artes de Laranjeiras), dentre outros. Tem se falado muito no Teatro Físico.Com toda a sua experiência poderia apontar diferenças na interpretação dos atores ao longo das últimas décadas?

Quando entrei no mundo do Teatro, na década de 60 do século passado, os atores e diretores mais jovens criticavam  uma Interpretação tradicional e se empenhavam na  busca de uma performance mais moderna. Traduzindo: a nova geração lutava contra um teatro  considerado empostado , artificial, totalmente suportado pela palavra e  ainda influenciado pela prosódia portuguesa, quando já estávamos na segunda metade do século. Deu-se, nesta fase,  a explosão da Expressão Corporal, a redescoberta de Artaud, a divulgação das encenações  de Grotowski, a ascensão do Living Theatre , os espetáculos de rua do Royal de Luxe (ainda modestos) , o Fura Del Baus, criado em 1979 (esqueçamos o pobre espetáculo que apresentaram recentemente aqui  no Rio de Janeiro). Em todos eles havia, no que tange à Interpretação, a força de uma profunda e expressiva investigação sobre a capacidade cênica do Corpo do Ator; e, no que tange à encenação, houve uma busca por nova ocupação do espaço, novas propostas cenográficas (menos ilustrativas e mais expressivas), uma busca pela força das imagens, o mergulho nas possibilidades infinitas de uma maior teatralidade, através de nomes como Bob Wilson, Kantor, Barba, Mnouchkine e muitos mais.

Em Portugal: cheguei lá  em 2001, numa  equipe de professores, para implantar  um curso de teatro de nível universitário na Escola Superior de Educação de Coimbra. Fora Lisboa e Porto, o movimento teatral é pequeno nas outras localidades e eu viajava às duas maiores cidades para assistir aos espetáculos que estavam sendo considerados como os mais importantes. Vi encenações instigantes dos grupos Meridional , Bando e  Chapitô – todos eles com ousadas propostas cênicas  e, sempre, na busca de um tipo de Interpretação  onde o corpo era sempre um elemento muito vivo. Entretanto, como você fala em Teatro Físico, o encenador que mais se especializou  neste campo, em Portugal,  foi o  inglês John Mowat, que, durante anos, dirigiu os altamente criativos e bem humorados espetáculos do Chapitô, encenações cuja concepção reduzia o texto ao mínimo necessário e valorizava a ação e os corpos dos atores, com enorme criatividade e humor.  Mowat  fez peculiares adaptações de Electra, Medeia, Macbeth, A tempestade, Drakula e Dom Quixote.   Três atores faziam todos os personagens, sempre com o mesmo figurino neutro (tipo roupa de ensaio) e pequenos adereços que se tornavam altamente
significativos, como,por exemplo, um chapéu ou folhas de papel com múltiplas leituras.

Em 2004 estive no Festival de Teatro Experimental do Cairo, onde assisti a uma das mais bem resolvidas propostas para o Teatro Físico, num espetáculo chamado Bambi 8, de Jochem Stavenuiter e Paul van der Laan: três atores, com excepcional domínio corporal, realizavam uma seqüência de delirantes ações não-verbais , num humor repleto de non-sense.  Eu fazia parte do Júri e foi com muita “felicidade teatral” que contribuí para a consagração de Bambi 8, ao votar nele para obtenção do  Prêmio de Melhor Espetáculo do Festival.

Hoje vemos, na cena carioca (infelizmente não posso falar da cena paulista por estar no Rio de Janeiro) que  os atores são ao mesmo tempo personagens e narradores, obedecem  e rompem a quarta parede, mudam de personagem rapidamente: o campo da investigação está aberto e não se sabe onde chegaremos amanhã. Há nisso uma grande contribuição do Boal, com o seu Sistema Coringa. É certo que ele pensava muito menos na linguagem da Interpretação e mais na questão de produção: permitir aos grupos a encenação de peças de muitos personagens (o que custa caro!)  com poucos atores. Entretanto, o Coringa acabou virando linguagem.

Porém, apesar de todos esses movimentos dos encenadores e dos atores, constata-se pelos palcos do  mundo que a maioria das peças ainda é calcada na linguagem  realista, na busca de se reproduzir  o cotidiano fielmente no palco, com ênfase na psicologia , no mimetismo, na identificação.


         Você é também diretor, como você vê o novo papel do encenador? 

A partir da segunda metade do século XIX o diretor teatral deixou de ser um gerente de palco e voltou a ser um criador. Segue-se uma rica trajetória de investigação da linguagem, a partir da unidade do espetáculo trazida pelo Duque de Saxe-Meiningen . Surgem o Naturalismo (Antoine), o Simbolismo (Gordon Craig , Appia)  o Realismo (Stanislavski), o Expressionismo, Meyerhold , Artaud, Brecht, Grotowski, Mnouchkine, Living Theatre, Peter Brook, Barba, Dario Fo, Kantor, Bob Wilson, Boal e seu Teatro do Oprimido, Vitor Garcia, Zé Celso, Antunes Filho, Lavelli, Robert Lepage, Peter Sellars, Strehler.  Nas minhas últimas encenações, em Portugal, tenho exercido a plena liberdade ao escrever no espaço cênico. Não me sinto preso a regras, a ortodoxias, às teorias. Os caminhos são amplos e infindáveis. O diretor, hoje, é um homem livre, que não tem qualquer compromisso com um determinado movimento teatral que prepondera em sua época. Porque nada prepondera. Na nossa  época  não há predominância, não há hegemonias, já que o teatro, hoje, da mesma forma que a nossa época, é permissivo e fraterno: abraça todos os anseios, todos as estradas, todos os delírios.


         Houve um tempo em que se falava que o Brasil não era capaz de montar musicais com excelência. Mas já em 1990,  você escreveu textos para musicais  encenados e produzidos por Sérgio Britto. . Qual a sua visão sobre essa escalada do Teatro Musical?

Não há dúvidas:  o Brasil é um país musical. O bom é ver que, aos poucos, o palco brasileiro vai assumindo um caráter que não precisa necessariamente estar vinculado ao  teatro musical americano. Do século XIX até os anos 60 do século XX tivemos a presença da Revista, filha do teatro português e da opereta francesa. A seguir, os musicais ficaram muito ligados aos Estados Unidos.

Brasil, Segunda Metade do Século XX: “Orfeu da Conceição” (1954), de Tom e Vinicius, foi o musical da favela. “Arena Conta Zumbi” (1965) com música de Edu Lobo  e “Arena conta Tiradentes”(1967), músicas de Caetano, Gil, Sidney Miller e Théo de Barros,  foram interessantes iniciativas para nacionalizar os nossos musicais, sendo” Zumbi”  bem mais feliz no seu resultado cênico e na sua contundência política. “A Ópera do Malandro”, 1978, de Chico Buarque,  foi novamente um  momento alto na caminhada para a permanência de um musical revelador da alma e de ritmos nacionais. Nos anos 90, Sérgio Britto também investiu nessa brasilidade, com “O Cortiço”, de Aloísio de Azevedo ,” Na Era do Rádio”, “Nos Tempos de Martins Pena”, “Ai,ai, Brasil” e “De Getúlio a Getúlio – a história de um mito” (esses quatro últimos, de minha autoria, sendo os dois últimos, em parceria com o Sérgio Britto). E Sérgio fez também “ Cafona, e daí?”, um espetáculo que exaltava as canções denominadas “bregas”.

Agora, no século XXI, a dupla Charles Möeller/Cláudio Botelho estabeleceu-se como a grande representante do musical americano, empregando e revelando muitos intérpretes nacionais. Luiz Carlos Vasconcelos nos apresentou o belíssimo “Suassuna  - o Auto do Reino do Sol” , texto  de Bráulio Tavares e músicas de Chico César, Beto Lemos e Alfredo Del Penho.
 E  fico feliz ao ver a chegada de Duda Maia, arrasando com seus espetáculos criativos e plenos de comunicabilidade.

Penso que, hoje, a tendência é a mistura: termos musicais com a cara brasileira e com a cara norte-americana. E com a cara dos dois.


       Você  assinou a coluna de crítica de teatro infantil do jornal O Globo. Hoje, a crítica de teatro infantil é muito pequena. Como você vê esse retrocesso e a importância da crítica teatral? 
O leitor dessa entrevista  que tenha menos de 40 anos não vai acreditar, mas eu tinha no  Globo  uma coluna de Crítica de Teatro Infantil que saía quatro vezes por semana! Tudo bem: foi um período em que houve um boom  de qualidade, com o aparecimento de Sylvia Orthof, do lIo Krugli , dos grupos Contadores de Estórias (Marcos e Raquel Ribas), Navegando (Lúcia Coelho), Quintal (Maria de Lourdes Martini e Bia Bedran) , Hombu, Manhas e Manias, Tapa (o grupo começou com o Teatro Infantil), Colégio Pernalonga (Maria Luísa Prates) . A  coluna conseguia agitar bem este universo, movimentando  as diversas premiações e os inúmeros Concursos de Texto. 
Entretanto hoje, décadas depois, o movimento do Teatro Infantil carioca segue firme, com nomes expressivos e com trabalhos de alta qualidade. Por isso, não entendo a ausência de uma crítica de Teatro Infantil num jornal como o Globo, já que os pais e os professores, que não estão tão informados sobre quem é quem neste universo teatral, necessitam mesmo de alguma reflexão sobre  o que os nossos palcos estão revelando para as nossas crianças. O joio existirá sempre. E uma criança que veja muito espetáculo ruim, na primeira oportunidade sentirá vontade de dizer “não” ao convite para ir ao teatro feito pelos pais.
O Teatro Infantil é formador de futura platéia. E formador de futuros fazedores de Teatro. Não se deve desperdiçar este serviço público de Educação para economizar  tão pouco espaço de jornal.
Quando eu escrevia no Globo, havia crítica de Teatro Infantil também no Jornal do Brasil e passaram por lá nomes expressivos como Ana Maria Machado, Sheila Kaplan e  Márcia de Almeida.  E sei que muitas carreiras foram para a frente devido a boas críticas recebidas e a boas divulgações de premiações feitas pelas colunas de Teatro Infantil.
Entretanto,  tenho consciência de que a falta de espaço hoje, nos meios de comunicação, faz parte de uma questão maior: a ausência de qualquer projeto de cultura no nosso país. Está aí o incêndio do Museu Nacional para referendar o que afirmo.

        Muitos teatros fecharam as portas. Alguns poucos foram inaugurados. Qual a sua visão sobre a quantidade de espaços dedicados ao Teatro no Rio de Janeiro?

Um absoluto horror.
Faz parte do que acabei de afirmar: a ausência de qualquer projeto de cultura no nosso país. 
Vai melhorar se aprendermos  a votar melhor. Se continuarmos colocando no poder  pessoas como o bispo-aiatolá-talibam que mente com a cara mais cínica e com aquela vozinha doce de satanás pós-graduado, o caminho será sempre o da ladeira abaixo.


         Recentemente, houve o triste incêndio do Museu Histórico Nacional em que foi perdido um acervo inestimável. Na sua opinião, o Teatro tem seu acervo devidamente resguardado? 
Claro que não. Basta ver o que aconteceu, aqui no Rio, com o Teatro Villa Lobos .

          O que você tem assistido ultimamente e qual seria a sua notícia de capa? 

Bons espetáculos que vi, ultimamente: Para não morrer, de Eduardo Galeano, com dramaturgia de Francisco Malmann e direção de Babaya Morais, em exuberante (apesar de contida) interpretação de Nena Inoue;  A mentira, de Nelson Rodrigues, numa ousada encenação de Inez Viana;  Tom na fazenda, de Michel Marc Bouchard, direção de Rodrigo Portella;  Agosto, de Tracy Letts , mostrando a força que ainda existe no teatro realista: bom texto, boa concepção do diretor (André Paes Leme) , um excelente elenco; Crocodilo Overdrive , de Pedro Kosovski, direção de Marco André Nunes (não consegui assistir a Tripas ,do mesmo autor, mas ouvi comentários entusiasmados); e  o já “venerando”  espetáculo A descoberta das Américas, de Dario Fo, na riquíssima interpretação de Julio Adrião , com direção de Alessandra Vannucci.
Fora do Brasil: em Londres, um potente Fuerza Bruta (e não esse arremedo que foi apresentado aqui no Rio, num espaço confinado); e o já citado Bambi 8, da Holanda.
E, para finalizar, a histórica remontagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, direção de Zé Celso: Renato Borghi e Zé Celso, já oitentões, não conseguiam manter o ritmo frenético e potente da montagem original, mas a reconstituição permitiu que as novas gerações  percebessem a contundência do que terá sido este espetáculo cinqüenta anos atrás. Que eu também vi...
Curiosidade final: dos criadores citados acima, tive a sorte de ter, como alunos, André Paes Leme, Inez Viana e  Júlio Adrião.
Para terminar, você pede uma imaginária “Notícia de Capa”. Proponho duas.

1)    “Os governos (Federal, Estadual, Municipal) se convencem de que a Arte salva e lançam novos editais na área da Cultura.”

2)    “ As peças cariocas voltam a ter temporadas de dois meses, com nove apresentações semanais.”

9 comentários:

  1. Excelente entrevista de Clovis Levi.
    Parabéns ao Blog pela estréia tão rica trazendo os relatos e a experiência de Clovis como homem de teatro.
    Preciso, direto e atualíssimo em sua crítica.
    Mencionar os profissionais e o respeito pelo teatro infantil são pontos altos.
    Que um dia essas notícias de capa nos acordem.

    ResponderExcluir
  2. Parabéns ao Blog programa da Peça, bela iniciativa e belo design :)
    Andamos tão famintos de arte e tão pouco servidos pelos órgãos públicos que um espaço dedicado ao teatro é sempre um oásis.
    Arte salva sim e não só a mim ou a você mas salva cidades, países, almas.
    Ótimos textos, entrevista, dicas, e o espaço aos autores que grata surpresa.
    Clóvis Levi nos atualizando na esperança e no desassossego do teatro neste país voltar a ter o respeito que merece.
    Como atriz sou uma sobrevivente apaixonada, graças á Deus!
    Vida longa ao Blog*

    ResponderExcluir
  3. Rubens Lima Junior é admirável, além de excelente profissional é uma pessoa de coração intenso e alma leve. A entrevista é inspiradora, o que torna a leitura muito agradável!

    ResponderExcluir
  4. Ótimas entrevistas!
    Rubens Lima Junior é incrível e muito talentoso. Um querido.
    Robson Torinni que grata surpresa, sensível e solar. Sua determinação e fé são contagiantes.
    Produzir arte em geral no Brasil é um mesmo um tour de force.
    Parabéns a todos pelo belo projeto.

    ResponderExcluir
  5. Sou fã da Priscila Camargo e adorei a entrevista. Excelente saber de detalhes dessa atriz q admiro. Parabéns!

    ResponderExcluir
  6. Excelente entrevista João, atual, sincera e direta. Tocando em assuntos polêmicos com a visão de um produtor que vive e trabalha para a cultura. Muito desrespeito por parte de outros profissionais e veículos que deveriam prestar contas dos absurdos que praticam em nome da arte. Uma lei cheia de brechas que precisa de grande revisão. Parabéns pelo livro sobre a grande Berta Loran e que linda homenagem. A industria do fracasso existe sim e é pouco falada. E o jornal Teatrarte que nos brindou com ótimas matérias e entrevistas e deixou saudades.

    ResponderExcluir
  7. Excelente a entrevista com o João Luiz Azevedo. Concordo com ele sobre a lei Rouanet. Além disso, sou prova viva que é possível fazer excelentes espetáculos sem patrocínio.Tudo o que ele produz vou de olho fechado. Tenho ido a muitos eventos, alguns em lugares sofisticados tipo grandes produções, e nenhum, até o momento, se compara com os dele. Para o meu gosto pelo menos. Não entendo o porquê, não é minha área, mas é fato. Gostei de saber que ele tem muitos projetos para 2019. Vou a todos. kkkk

    ResponderExcluir
  8. Bela matéria com esse cara que está bombando em vários espaços culturais do Rio de Janeiro e vem sendo fundamental para a revitalização do Teatro João Caetano com sua força criativa e competência na área de produção: João Luiz Azevedo. # Lula Moura.

    ResponderExcluir

  9. Ótima a entrevista com Daniel Dias da Silva. Um dia esses governantes ainda vão entender que a arte não é moeda de troca, não é um passatempo de fim de noite. A cultura de um país lhe representa e o transporta para o mundo. É um selo de identidade. Temos diversos exemplos de que a arte e a cultura em geral já salvaram povos, comunidades, cidades. Parabéns ao Blog e ao Daniel!

    ResponderExcluir