sábado, 28 de agosto de 2021

Em Nome Da Mãe

 


Humanizar Maria, mãe de Jesus, faz pensar no poder desta, antes de tudo, mulher.  Este é o percurso que o espetáculo "Em Nome Da Mãe" traça para o espectador. Tarefa árdua de retirar o manto sagrado e de acentuar a difícil caminhada de uma mulher que, escolhida e abençoada, defendeu perante as leis dos homens sua gravidez do filho de Deus.

O espetáculo  foi concebido a partir do texto de Erri de Luca e faz paralelos com o universo da condição feminina no Brasil, em que apenas recentemente deixou de ser aceita em nossos Tribunais a absurda alegação de legítima defesa da honra, muito usada no Brasil para legitimar assassinatos de mulheres e que tais. Sempre é custoso pensar que, inclusive, o adultério foi deixado de ser tratado como crime somente em 2005, mas no Brasil colonial era penalizado com a pena capital para a adúltera e o amante.

Trata-se de um espetáculo que faz pensar sobre o momento em que o patriarcado se fez superior ao feminino justamente pela inveja de caber à mulher gerar. A vida, ainda que composta pela presença do homem, se dá através da gestação. É um poder que foi, desde os gregos, atribuído a Gaia.

O texto é riquíssimo. Lakshmi, Oxum, Kali, Iemanjá, Perséfone, estão representadas e invocadas, dentre outras. Trazer Maria em sua maternidade virgem,  naqueles tempos, em contraponto com as lutas do feminino hoje é trazer a mãe maior ensinando cada mulher a lutar.

O espetáculo foi encenado no Teatro Ipanema e é muito auspicioso visualizar o palco, ainda que a linguagem seja mais audiovisual do que teatral.

A atriz Suzana Nascimento, em sua solidão, traz a solidez da verdade em cada gesto, em cada olhar. Interpreta Maria e tantos outros personagens, em mudanças no tom de voz e atitudes e faz visualizar a figura amorosa de José, mesmo não presente. É uma atriz que vai ao longo do espetáculo ao encontro da imensidão do desfecho, dar à luz. Aliás, lindíssimo momento, de muita emoção, quando a mãe sabedora do destino do filho implora por ele. A concepção, dramaturgia e encenação é dela, senhora de tudo o que faz, preenche a cena com absoluta exuberância.

A direção de Miwa Yanagisawa, cada vez mais surpreendente, é de uma sensibilidade ímpar. Trabalha com elementos cênicos preenchendo o palco com a exatidão de quem tem uma intenção reveladora. Dança, torna assustador, torna mágico, brinca e balança com a atriz, mexe e remexe conosco. É uma direção lapidada cujo brilho reflete a todo momento.

A iluminação é um elemento importantíssimo nessa trajetória. A direção de arte, figurino e cenografia de Desirée Bastos faz toda a diferença. É preciosa!

Lindíssima a direção musical e a execução do celo de Federico Puppi.

Corram para assistir a este maravilhoso espetáculo que é on-line e gratuito, na plataforma do Sesc Rio, até 29 de agosto, às 19h.




















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