Theodoro construiu o argumento do espetáculo, argumento de sua própria
história, de situações onde o maior desafio era não deixar o dito por não
dito. Mulher guerreira, sabedora de seu lugar no mundo, cadeira cativa na
luta das mulheres pretas. Uma trajetória de força, desafios, reposicionamento
na sociedade e empoderamento. Nas palavras de Helena Theodoro fica bem
claro o que representa o espetáculo: " Mãe de santo representa para
mim as mil possibilidades da mulher preta, que dá asas à sua imaginação seja
mostrando musicalidade, poesia, espiritualidade, habilidade e maternidade desde
muito tempo. Ser mãe de santo é ser mãe do mundo, cuidando de gente de
ontem - seus ancestrais - ou de hoje - sua família, amigos, parceiros-, preservando
o mundo para um amanhã mais pleno, transformado pelo elo de afeto entre as
pessoas, pela arte e por toda a beleza que um olhar doce e meigo pode oferecer.
Mãe de santo é mulher que se orgulha de suas histórias e identidades,
entendendo que nada é mais profundo do que a pele preta que traz em seu corpo e
ilumina a sua alma."
O monólogo escrito por Renata Mizrahi sintetiza em 45 minutos a
vivência e a expressividade de várias mulheres pretas e isto não é tarefa
fácil, pois há muito a ser contado. As ações se transformam em diversos
episódios interessantes, angustiantes, revoltantes, sublimes, evidenciando a
força, a poesia, a resistência, a superação destas mulheres a cada
passagem. O texto é forte, potente como precisamos neste momento.
A linguagem é audiovisual. Muitos pensam que isto não é Teatro. Mas, esse
purismo cega e invalida o fato de estamos no Brasil, com toda falta de
incentivo às artes. O fazer teatral se adaptou como mutante a esses
tempos e isto sim deve ser visto e exaltado.
Temos na direção de Luiz Antônio Pilar muita sensibilidade aos focos da
temática, mesclando objetividade e subjetividade com relação à
intérprete, uma condução muito criativa
através dos belos ângulos e enquadramentos. Portanto, a direção é um dos
fatores que contribui para o prazer de assistir a este espetáculo.
A interpretação de Vilma Melo, primeira atriz negra vencedora do prêmio
Shell em 2017, é forte, marcante sem em nenhum momento elevar
desnecessariamente o tom. É marcante porque é verdadeira e com isso
extrai diversas reações do espectador. Adaptada à linguagem, sua atuação é
intensa e sutil na medida certa, como se espera de uma grande atriz. Vilma Melo
é referência de sua geração e constrói as vivências da mulher preta com
nuances. É daquelas atrizes que no palco fica imensa, tal seu inteiro domínio da
arte de interpretar.
O cenário e o figurino são multifuncionais, utilizados de diversas formas
só engrandecem o espetáculo.
A trilha sonora de Wladimir Pinheiro intensifica e confere beleza às passagens cênicas e a iluminação de Anderson Rato tem o condão de nos tornar íntimos da ação.
Ser mulher, preta, mãe de santo com toda a intolerância religiosa que temos
visto são impulsos à luta individual e coletiva e busca da transposição de
barreiras que ninguém, ninguém será capaz de interromper. Todo ato no sentido
de luta pode ser de cura. Toda arte cura. A cura de uma sociedade doente pode
se dar a partir daí. Em suma, um belíssimo espetáculo, assistam!
A temporada acontecerá no canal do Sesc, de 02 a 25/07, sextas, sábados e
domingos, sempre às 19h ( http://www.youtube.com/portalsescrio ).
|
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário