domingo, 4 de julho de 2021

Mãe De Santo



Não mexe com o meu sagrado! Não mexe com minha cor! Não mexe com a mulher preta que sou! Não mexe comigo que sou resistência! Nem todas essas frases fazem parte do espetáculo "Mãe de Santo", mas traduzem bem os textos e relatos de Helena Theodoro, mulher,  preta,  Yalorixá,  escritora e filósofa, figura excepcional que com sua  experiência espelha com orgulho várias gerações de mulheres afro-brasileiras.


Theodoro construiu o argumento do espetáculo, argumento de sua própria história, de situações onde o maior desafio era não deixar o dito por não dito.  Mulher guerreira, sabedora de seu lugar no mundo, cadeira cativa na luta das mulheres pretas. Uma trajetória de força, desafios, reposicionamento na sociedade  e empoderamento. Nas palavras de Helena Theodoro fica bem claro o que representa o espetáculo: " Mãe de santo representa para mim as mil possibilidades da mulher preta, que dá asas à sua imaginação seja mostrando musicalidade, poesia, espiritualidade, habilidade e maternidade desde muito tempo.  Ser mãe de santo é ser mãe do mundo, cuidando de gente de ontem - seus ancestrais - ou de hoje - sua família, amigos, parceiros-, preservando o mundo para um amanhã mais pleno, transformado pelo elo de afeto entre as pessoas, pela arte e por toda a beleza que um olhar doce e meigo pode oferecer. Mãe de santo é mulher que se orgulha de suas histórias e identidades, entendendo que nada é mais profundo do que a pele preta que traz em seu corpo e ilumina a sua alma."


O monólogo escrito por Renata Mizrahi  sintetiza em 45 minutos a vivência  e a expressividade de várias mulheres pretas e isto não é tarefa fácil, pois há muito a ser contado. As ações se transformam em diversos episódios interessantes, angustiantes, revoltantes, sublimes, evidenciando a força,  a poesia, a resistência, a superação destas mulheres a cada passagem. O texto é forte, potente como precisamos neste momento.


A linguagem é audiovisual. Muitos pensam que isto não é Teatro. Mas, esse purismo cega e invalida o fato de estamos no Brasil, com toda falta de incentivo  às artes. O fazer teatral se adaptou como mutante a esses tempos e isto sim deve ser visto e exaltado.


Temos na  direção de Luiz Antônio Pilar muita sensibilidade aos focos da temática,  mesclando objetividade e subjetividade com relação à intérprete,  uma condução muito criativa através dos belos ângulos e enquadramentos. Portanto, a direção é um dos fatores que contribui para o prazer de  assistir a este espetáculo.


A interpretação de Vilma Melo, primeira  atriz negra vencedora do prêmio Shell em 2017, é forte, marcante sem em nenhum momento  elevar desnecessariamente o tom. É  marcante porque  é verdadeira e com isso extrai diversas reações do espectador. Adaptada à linguagem, sua atuação é intensa e sutil na medida certa, como se espera de uma grande atriz. Vilma Melo é referência de sua geração e constrói as vivências da mulher preta com nuances. É daquelas atrizes que no palco fica imensa, tal seu inteiro domínio da arte de interpretar.


O cenário e o figurino são  multifuncionais, utilizados de diversas formas só engrandecem o espetáculo.


A trilha sonora de Wladimir Pinheiro intensifica e confere beleza às passagens cênicas e a iluminação de Anderson Rato tem o condão de nos tornar íntimos da ação.


Ser mulher, preta, mãe de santo com toda a intolerância religiosa que temos visto são impulsos à luta individual e coletiva e busca da transposição de barreiras que ninguém, ninguém será capaz de interromper. Todo ato no sentido de luta pode ser de cura. Toda arte cura. A cura de uma sociedade doente pode se dar a partir daí. Em suma, um belíssimo espetáculo,  assistam!


A temporada acontecerá no canal do Sesc, de 02 a 25/07, sextas, sábados e domingos, sempre às 19h ( http://www.youtube.com/portalsescrio ).

 

 

 

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