sábado, 22 de junho de 2019

O Mistério de Irma Vap


Resgatar um dos maiores sucessos teatrais que ficou onze anos em cartaz é tarefa para poucos. Quem assistiu a primeira montagem de O Mistério de Irma Vap, dirigido por Marília Pêra e com os atores Marco Nanini e Ney Latorraca, encontrará pouca semelhança com a atual versão, talvez tão somente o fundamental,  um trabalho inventivo e excelente.

Mas que mistério é esse que a nova montagem do texto de Charles Ludlam, referência na comédia dos anos oitenta e do gênero besteirol no Brasil, traz para o espectador dos dias de hoje? Em primeiríssimo lugar, a reverência ao teatro. A luz forte na plateia se apaga e num foco estão os dois atores com um figurino base desejando um ao outro "Merda", ou seja, um bom espetáculo! O teatro forte em suas características de arte viva se enaltece em muitas passagens, tais como: quando os atores saem do texto para criticar o atual momento por que passa o país, interrompem a engrenagem teatral de som e luz ou através da bela homenagem feita à atriz Bibi Ferreira. O espetáculo tem um compromisso de exaltar o teatro sem deixar de lado o humor como foco.

Jorge Farjalla transpõe o espetáculo para um trem fantasma. E, com isso, só cresce o mistério, pois essa referência "trash" de terror remete à ideia clássica de que no trem habita um fantasma. A trama ocorre num lugar distante da Inglaterra em que vivem Lady Enid, seu esposo Lorde Edgar, a criada Jane, o grotesco  Nicodemo e paira no ar o fantasma de Irma Vap que é  o anagrama de Vampira, antiga esposa de Lorde Edgar.

Na visão do diretor Jorge Farjalla esse trem fantasma conduz ao misterioso universo que "assusta" de tanto fazer rir. A proposta da direção se torna um dos pontos altos do espetáculo. Com marcações que imprimem um ritmo frenético e aproveitando a linguagem cinematográfica, inclusive do cinema mudo em que palavras e frases escritas sugerem a ação tornando mais engraçadas as cenas, sejam elas interpretadas pelos atores Luis Miranda e Mateus Solano ou pelo primoroso elenco de apoio composto por Fagundes Emanuel, Greco Trevisan, Kauan Scaldelai e Thomas Marcondes que são vodus, mas que também têm as funções de fazer a sonoplastia, inclusive tocando instrumentos e auxiliam na troca dos figurinos. Além de visualmente ser um espetáculo repleto de detalhes, destaca-se o trabalho da direção com os atores. Esse trabalho é inegável e está presente na rica composição dos personagens.

Que grande comunhão têm os atores Luis Miranda e Mateus Solano! Os atores, impossível destacar um deles, têm um maravilhoso trabalho corporal e vocal. O criativo gestual de Mateus Solano e o colorido do texto dito com tantas variações por Luis Miranda são de encher os olhos. Já num primeiro gesto ou tom de voz o público distingue bem os personagens encarnados por eles. É um "tour de force" para o qual ambos estão muito bem preparados. São interpretações que, já se pode dizer, entram para a galeria das inesquecíveis.

O cenário de Marco Lima concretiza a concepção da direção. É um trem fantasma com todo o seu maquinário, inclusive o carrinho. Esse trem fantasma dentro de um parque de diversões sombrio cria muitas alternativas de entradas e saídas de cena, além de remeter a um lugar esquecido no meio do nada contextualizando o espetáculo numa atmosfera grotesca, bizarra e por isso mesmo mais cômica.

O figurino de Karen Brustolin traz uma base que é sobreposta, dependendo do personagem, por outros elementos. Isso é importantíssimo num espetáculo em que as trocas de roupas ocorrem alucinadamente. Há certo envelhecimento nos figurinos o que, assim como dito em relação ao cenário, enriquece a atmosfera do espetáculo.

Por fim, a luz de Cesar Pivetti invade o palco e estabelece de forma proposital sensação exacerbada de terror acompanhada pela excelente direção musical assinada por Gilson Fukushima.

O Mistério de Irma Vap é o resultado de uma conjugação harmoniosa desde a concepção. Um espetáculo crítico e contemporâneo que não se abstém de mostrar que a comédia existe para fazer qualquer um rir do que acha ridículo, absurdo, mesmo que estejamos de uma forma ou de outra rindo de nós mesmos. O espetáculo, assim como a exitosa primeira montagem, é para não se esquecer. Num improviso, o ator como Irma Vap diz:“ Não se esqueça de MinC". Não há como esquecer!




Teatro Oi Casagrande - Av. Afrânio de Melo Franco, 290 - Leblon Telefone: 3114-3712
Temporada: 20 de junho a 28 de julho
Quinta a sábado, às 20h  e domingo, às 18h.
Ingressos: R$ 75 a R$ 130,00 ( quintas), R$ 75,00 a R$ 140,00 ( sextas), R$ 75 a
R$ 150,00 ( sábados e domingos )
100 minutos
Classificação: Livre



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