Resgatar um dos maiores sucessos teatrais que ficou onze
anos em cartaz é tarefa para poucos. Quem assistiu a primeira montagem de O
Mistério de Irma Vap, dirigido por Marília Pêra e com os atores Marco Nanini e
Ney Latorraca, encontrará pouca semelhança com a atual versão, talvez tão somente
o fundamental, um trabalho inventivo e excelente.
Mas que mistério é esse que a nova montagem do texto de
Charles Ludlam, referência na comédia dos anos oitenta e do gênero besteirol no
Brasil, traz para o espectador dos dias de hoje? Em primeiríssimo lugar, a
reverência ao teatro. A luz forte na plateia se apaga e num foco estão os dois
atores com um figurino base desejando um ao outro "Merda", ou seja,
um bom espetáculo! O teatro forte em suas características de arte viva se enaltece
em muitas passagens, tais como: quando os atores saem do texto para criticar o
atual momento por que passa o país, interrompem a engrenagem teatral de som e
luz ou através da bela homenagem feita à atriz Bibi Ferreira. O espetáculo tem
um compromisso de exaltar o teatro sem deixar de lado o humor como foco.
Jorge Farjalla transpõe o espetáculo para um trem
fantasma. E, com isso, só cresce o mistério, pois essa referência
"trash" de terror remete à ideia clássica de que no trem habita um
fantasma. A trama ocorre num lugar distante da Inglaterra em que vivem Lady
Enid, seu esposo Lorde Edgar, a criada Jane, o grotesco Nicodemo e paira no ar o fantasma de Irma Vap
que é o anagrama de Vampira, antiga
esposa de Lorde Edgar.
Na visão do diretor Jorge Farjalla esse trem fantasma
conduz ao misterioso universo que "assusta" de tanto fazer rir. A
proposta da direção se torna um dos pontos altos do espetáculo. Com marcações
que imprimem um ritmo frenético e aproveitando a linguagem cinematográfica,
inclusive do cinema mudo em que palavras e frases escritas sugerem a ação
tornando mais engraçadas as cenas, sejam elas interpretadas pelos atores Luis
Miranda e Mateus Solano ou pelo primoroso elenco de apoio composto por Fagundes
Emanuel, Greco Trevisan, Kauan Scaldelai e Thomas Marcondes que são vodus, mas
que também têm as funções de fazer a sonoplastia, inclusive tocando
instrumentos e auxiliam na troca dos figurinos. Além de visualmente ser um
espetáculo repleto de detalhes, destaca-se o trabalho da direção com os atores.
Esse trabalho é inegável e está presente na rica composição dos personagens.
Que grande comunhão têm os atores Luis Miranda e Mateus
Solano! Os atores, impossível destacar um deles, têm um maravilhoso trabalho
corporal e vocal. O criativo gestual de Mateus Solano e o colorido do texto dito
com tantas variações por Luis Miranda são de encher os olhos. Já num primeiro
gesto ou tom de voz o público distingue bem os personagens encarnados por eles.
É um "tour de force" para o qual ambos estão muito bem preparados.
São interpretações que, já se pode dizer, entram para a galeria das inesquecíveis.
O cenário de Marco Lima concretiza a concepção da
direção. É um trem fantasma com todo o seu maquinário, inclusive o carrinho.
Esse trem fantasma dentro de um parque de diversões sombrio cria muitas
alternativas de entradas e saídas de cena, além de remeter a um lugar esquecido
no meio do nada contextualizando o espetáculo numa atmosfera grotesca, bizarra
e por isso mesmo mais cômica.
O figurino de Karen Brustolin traz uma base que é
sobreposta, dependendo do personagem, por outros elementos. Isso é importantíssimo
num espetáculo em que as trocas de roupas ocorrem alucinadamente. Há certo
envelhecimento nos figurinos o que, assim como dito em relação ao cenário,
enriquece a atmosfera do espetáculo.
Por fim, a luz de Cesar Pivetti invade o palco e
estabelece de forma proposital sensação exacerbada de terror acompanhada pela
excelente direção musical assinada por Gilson Fukushima.
O Mistério de Irma Vap é o resultado de uma conjugação
harmoniosa desde a concepção. Um espetáculo crítico e
contemporâneo que não se abstém de mostrar que a comédia existe para fazer
qualquer um rir do que acha ridículo, absurdo, mesmo que estejamos de uma forma
ou de outra rindo de nós mesmos. O espetáculo, assim como a exitosa primeira montagem,
é para não se esquecer. Num improviso, o ator como Irma Vap diz: “ Não se esqueça de MinC". Não há como esquecer!
Teatro Oi Casagrande - Av. Afrânio de Melo Franco, 290 - Leblon Telefone: 3114-3712
Temporada: 20 de junho a 28 de julho
Quinta a sábado, às 20h e domingo, às 18h.
Ingressos: R$ 75 a R$ 130,00 ( quintas), R$ 75,00 a R$ 140,00 ( sextas), R$ 75 a
R$ 150,00 ( sábados e domingos )
100 minutos
Classificação: Livre
Excelente critica, obrigada pela dica!
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