O problema de envelhecer é que, no fundo, permanecemos
crianças, disse certa vez a atriz Beatriz Segall.
As Crianças, texto da inglesa Lucy Kirkwood é dessas
obras universais. Trata do reencontro de três personagens sexagenários, um
casal e uma amiga, após trinta e poucos anos, em meio a uma iminente catástrofe
nuclear que bem pode ser uma metáfora da desconstrução interna de cada um
deles. Um texto repleto de subtextos. Diálogos corriqueiros preparam o terreno
propício para a eclosão de afetos, desafetos, entrelaces e entretantos que vão
se revelando nas relações e vivências do trio. E a todo instante pairando no ar
a convicção da finitude, do prazo de validade em contraponto com a infância,
talvez a mostrar que, no fundo, mesmo perto do fim estamos de volta ao começo.
Tudo isso ante a possibilidade de um desastre nuclear que, diga-se de passagem,
é um contexto plenamente plausível nos dias de hoje em que muitos estão
morrendo mais tarde, mas o mundo morre cada vez mais cedo.
A direção de Rodrigo Portella é delicada e profunda. As
rubricas do texto são ditas pelos atores e esse aproveitamento como um todo revela ainda mais o estado emocional dos personagens em cada movimento previamente anunciado. Em
nenhum momento os atores saem de cena, mas o diretor aponta quais os focos de
atenção. Há muita sensibilidade em cenas corrosivas permeadas por objetos
infantis. Os significados do envelhecimento e das memórias afetivas daqueles
personagens estão presentes e apresentados através de uma estética de extrema
plasticidade.
No elenco, Analu Prestes em um desempenho primoroso,
detalhista e intenso vive a física Dayse, metódica, aparentemente preparada
para qualquer circunstância que mostra suas fragilidades quando se vê à beira
do limite. Mario Borges interpreta seu marido Robin com sutileza, naturalidade,
gestos comedidos e fala mansa que aproximam muito seu personagem do espectador.
Andrea Dantas, a engenheira nuclear Rose, personagem determinante para o
desenrolar da trama, consegue imprimir a carga emocional adequada até chegar ao ápice. Três extraordinários atores
que agregam imensa qualidade ao resultado do espetáculo.
Como já dito, há objetos ligados ao universo infantil,
porém o que chama atenção no cenário assinado pelo diretor e Julia Deccache é a
enorme mesa de madeira com muitas gavetas de onde saem vários elementos
cênicos. Além de traduzir bem o ambiente é funcional e surpreendente.
O figurino de Rita Murtinho traduz o isolamento do casal
em oposição às vestes da amiga e ex-parceira de trabalho vinda de lugar mais
moderno. As botas usadas pelos três personagens são fundamentais para a
visualização do ambiente precário em que vivem.
Através da luz de Paulo Cesar Medeiros se vê melhor a
intimidade entre eles, a radiação, o mar. A iluminação amplia a imaginação do
espectador.
A trilha sonora original de Marcelo H e Federico Puppi
torna grandioso o desfecho.
As Crianças é desses espetáculos para se guardar na
memória, naquele canto especial em que estão nossos melhores momentos de vida.
Serviço:
Teatro Firjan Sesi Centro - Av. Graça Aranha, n. 1 - Centro Telefone: 25634163
Horário: Quinta à sábado, às 19h. Domingo, às 18h. Até 02 de Junho
100 minutos
Ingressos: R$ 40,00
Classificação: 14 anos

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