segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Senhora dos Afogados


Em Senhora dos Afogados, a família Drummond vivencia a morte por afogamento da filha Clarinha ao mesmo tempo em que prostitutas lamentam o assassinato de uma delas ocorrido há dezenove anos. O crime aconteceu justamente na noite de núpcias de Misael Drummond, o patriarca da família e principal suspeito, apesar de nunca ter sido investigado.

Com o desenrolar da trama, os Drummond, que se orgulham há trezentos anos de nunca ter havido infidelidade conjugal na família, vão tirando as máscaras e indo ao encontro da traição, assassinato, vingança, incesto, mutilação e monstruoso desfecho.

A peça de Nelson Rodrigues, considerada por ele próprio uma ¨obra do teatro desagradável¨, possui muitos elementos trágicos, inclusive o coro formado por vizinhos ora comentando, ora atiçando, ora criticando, ora persuadindo.

O diretor Jorge Farjalla transporta a ação para Recife, cidade natal do autor. Mas apesar do mar à frente, a ação parece transcorrer no mangue, no lodaçal, na penumbra, com figurinos escuros e em camadas de farrapos, muito criativos e apropriados a um ¨cortejo¨. A peça recebeu indicação ao Prêmio Shell pelo figurino. Jorge Farjalla assina mais do que a direção, a encenação e dramaturgia. É também responsável pelo figurino e adereços juntamente com Ana Castilho e pela preparação corporal do elenco. Com isso, a concepção do diretor está bem exposta em todas as atmosferas sombrias da encenação. A exaltação do sagrado e do profano estão presentes desde o início com a louvação à Iemanjá, a crucificação da mãe, bem como da prostituta e até nas mãos lavadas com água e depois com sangue, simbologia forte na proposta da direção. A única ressalva fica por conta da linguagem visual que perdura durante o espetáculo causando certo desconforto.

Fica evidente que, na preparação dos atores, a direção conseguiu uma verdadeira entrega. Para interpretar Nelson Rodrigues o ator tem que dar veracidade ao poético, à aparente normalidade até a atrocidade, à hipocrisia e a amoralidade, não sendo necessários os excessos. É preciso passar por uma desconstrução.

Nesse aspecto, o elenco alcança resultados muito bons. João Vitti, como Misael Drummond, traz com perfeição um velho homem sem princípios, repugnante e assassino. Alexia Deschamps demonstra, muitas vezes em silêncio, a tristeza, resignação e desejo de libertação da personagem Dona Eduarda. Letícia Birkheuer vivendo o irmão Paulo tem um trabalho, vocal e corporal, impressionante, porém talvez pela dificuldade em manter o tom grave da voz faltem nuances em suas falas. A Moema de Karen Junqueira traz pouca docilidade, tão necessária e importante à máscara social da personagem, mas em relação aos aspectos horrendos a atriz desempenha bem seu papel. Não assisti o espetáculo com Rafael Vitti e sim com Francisco Vitti fazendo o noivo numa interpretação com muita intensidade. Importante destacar os atores Nadia Bambirra vivendo Dona Marianinha, presença muito marcante, Jaqueline Farias como a prostituta assassinada e ¨crucificada¨, e Du Machado. O ator transforma seu personagem Vendedor de Pentes quase em um protagonista. Seu desempenho corporal e a composição sarcástica, impiedosa, profética é de encher os olhos.

O cenário de José Dias é de extremo acerto. Um gigantesco farol, movimentado pelos atores se abre como um relicário, transforma-se em quarto do casal Misael e Dona Eduarda e serve de cruz para a crucificação. Além de, simbolicamente através de sua luz, revelar aqueles seres que vivem na escuridão.

Senhora dos Afogados, nesse momento retrógrado vai na direção contrária à maré, mostrando o universo sempre  atual de Nelson Rodrigues.

Local: Teatro XP Investimentos ( Jockey Club Brasileiro - Av. Bartolomeu Mitre, 1110 - Leblon )
Telefone: 3807-1110

Temporada: 05/10 a 25/11
Sextas e Sábados às 21h e Domingos às 20h

Ingressos: 60,00 ( inteira ) e 30,00 ( meia )
Duração: 90 minutos
Classificação: 16 anos





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