Em Senhora dos Afogados, a família Drummond vivencia a
morte por afogamento da filha Clarinha ao mesmo tempo em que prostitutas lamentam o
assassinato de uma delas ocorrido há dezenove anos. O crime aconteceu justamente na noite de núpcias de Misael Drummond, o patriarca da família e
principal suspeito, apesar de nunca ter sido investigado.
Com o desenrolar da trama, os Drummond, que se orgulham
há trezentos anos de nunca ter havido infidelidade conjugal na família, vão
tirando as máscaras e indo ao encontro da traição, assassinato, vingança, incesto,
mutilação e monstruoso desfecho.
A peça de
Nelson Rodrigues, considerada por ele próprio uma ¨obra do teatro desagradável¨,
possui muitos elementos trágicos, inclusive o coro formado por vizinhos ora
comentando, ora atiçando, ora criticando, ora persuadindo.
O diretor Jorge Farjalla transporta a ação para
Recife, cidade natal do autor. Mas apesar do mar à frente, a ação parece transcorrer
no mangue, no lodaçal, na penumbra, com figurinos escuros e em camadas de farrapos, muito criativos e apropriados a um ¨cortejo¨. A peça recebeu indicação ao Prêmio Shell pelo figurino. Jorge Farjalla assina mais do que a
direção, a encenação e dramaturgia. É também responsável pelo figurino e
adereços juntamente com Ana Castilho e pela preparação corporal do elenco. Com
isso, a concepção do diretor está bem exposta em todas as atmosferas sombrias da encenação. A exaltação do sagrado e do profano estão presentes desde o
início com a louvação à Iemanjá, a crucificação da mãe, bem como da prostituta
e até nas mãos lavadas com água e depois com sangue, simbologia forte na proposta da direção. A única ressalva fica por conta da linguagem visual que perdura durante o espetáculo causando certo desconforto.
Fica evidente que, na preparação dos atores, a direção conseguiu uma verdadeira entrega. Para interpretar Nelson Rodrigues o
ator tem que dar veracidade ao poético, à aparente normalidade até
a atrocidade, à hipocrisia e a amoralidade, não sendo necessários os excessos. É
preciso passar por uma desconstrução.
Nesse aspecto,
o elenco alcança resultados muito bons. João Vitti, como Misael Drummond, traz
com perfeição um velho homem sem princípios, repugnante e assassino. Alexia
Deschamps demonstra, muitas vezes em silêncio, a tristeza, resignação e desejo
de libertação da personagem Dona Eduarda. Letícia Birkheuer vivendo o irmão
Paulo tem um trabalho, vocal e corporal, impressionante, porém talvez pela
dificuldade em manter o tom grave da voz faltem nuances em suas falas. A Moema
de Karen Junqueira traz pouca docilidade, tão necessária e importante à máscara
social da personagem, mas em relação aos aspectos horrendos a atriz desempenha
bem seu papel. Não assisti o espetáculo com Rafael Vitti e sim com Francisco
Vitti fazendo o noivo numa interpretação com muita intensidade. Importante
destacar os atores Nadia Bambirra vivendo Dona Marianinha, presença muito
marcante, Jaqueline Farias como a prostituta assassinada e ¨crucificada¨, e Du
Machado. O ator transforma seu personagem Vendedor de Pentes quase em um protagonista.
Seu desempenho corporal e a composição sarcástica, impiedosa, profética é de
encher os olhos.
O cenário de José Dias é de extremo acerto. Um
gigantesco farol, movimentado pelos atores se abre como um relicário,
transforma-se em quarto do casal Misael e Dona Eduarda e serve de cruz para a
crucificação. Além de, simbolicamente através de sua luz, revelar aqueles seres
que vivem na escuridão.
Senhora dos Afogados, nesse momento retrógrado vai na
direção contrária à maré, mostrando o universo sempre atual de Nelson Rodrigues.
Local: Teatro XP Investimentos ( Jockey Club Brasileiro - Av. Bartolomeu Mitre, 1110 - Leblon )
Telefone: 3807-1110
Temporada: 05/10 a 25/11
Sextas e Sábados às 21h e Domingos às 20h
Ingressos: 60,00 ( inteira ) e 30,00 ( meia )
Duração: 90 minutos
Classificação: 16 anos
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