Soa extremamente atual
a frase de Maura Lopes Cançado, uma das mais contundentes autoras brasileiras
que caiu no esquecimento. A escritora mineira trabalhou no Jornal do Brasil,
contemporânea de Reynaldo Jardim e Ferreira Gullar, e escreveu duas obras.
Hospício
é Deus, diário de suas internações em clínicas e sanatórios, transformou-se em
livro e agora na excelente adaptação teatral feita por Pedro Brício, resultando
no espetáculo Diários do Abismo. A adaptação incluiu poemas e contos da autora,
o que trouxe a possibilidade de maior conhecimento do pensamento e de sua obra.
Diários do abismo é um
espetáculo para ser aplaudido de pé. Não porque isso se tornou convencional nos
dias de hoje, mas porque é inevitável.
Na direção de Sergio
Módena, o espectador é conduzido ao mundo de ideias e palavras que surgem
através de alguém que estava presa num hospício, mas com a mente livre. As
palavras através de projeções que literalmente invadem a cena preenchem o
espaço e a nossa cabeça. A direção não dá um tom sentimental ao sofrimento, esse
é apenas um aspecto, propicia um olhar interessado do espectador sobre aquela
pessoa que passou por muitas internações, mas que manteve a inteligência e
conseguiu traduzir em seu diário os seus e os nossos abismos. As marcações, a
utilização do espaço cênico e o trabalho com a atriz se traduzem em cenas
criativas, surpreendentes e com o transcorrer do espetáculo, através da
desconstrução dos objetos cênicos, torna aparente o caos.
Maria Padilha comemora
os quarenta anos de carreira com o primeiro monólogo. Seu desempenho é
impecável! Com domínio completo da personagem, que exige um ¨tour de force¨, pois
cada frase do texto é inesquecível e não pode ser desperdiçada, a atriz atinge
todos os ápices. Estamos diante de um minucioso trabalho, rico em detalhes e
variações de humor, tornando a personagem sempre interessante, irônica,
inteligente, contraditória, misteriosa. As confissões de Maura sobre o abuso na
infância, sobre as internações e maus tratos, sobre o descaso do mundo lá fora,
sobre seu amor pela escrita exigem intensidade e verdade e tudo isso está
contido na interpretação. Há dois
momentos que valem a pena destacar, o trecho da ópera de Puccini que a atriz
canta e quando a personagem rola no chão às gargalhadas contagiando a plateia. Vale
lembrar que, muitas vezes, é mais difícil rir em cena do que chorar. Sem
dúvida, é um dos mais belos trabalhos de Maria Padilha.
André Cortez nos
apresenta um cenário em estruturas de madeira na vertical com espumas simulando
camas do hospício, mas que oferecem outras funcionalidades. Transformam-se em
janelas para o mundo interno e externo, nas próprias pacientes deitadas em cada
leito, no diário que a personagem escreve e muito mais. O cenário, com pouco,
oferece muitas possibilidades à direção.
O figurino de Marcelo
Pies não é um simples uniforme de interna. É um vestido versátil, principalmente quando a atriz baila em cena. As outras
vestimentas como casacos e acessórios estão em sintonia com a época.
A iluminação de Paulo
Cesar Medeiros constrói a veracidade dos dias e noites no sanatório, dos claros
e escuros da mente da personagem aproximando o espectador de todos esses
contextos.
Num determinado
momento, Maura Lopes Cançado diz: Agora eu estou só. Através do belíssimo
espetáculo sua obra ressurge e, nesse mundo de insanidades, como se torna
importante um relato tão lúcido.
Local: Teatro II CCBB ( Rua Primeiro de Março, 66 - Centro )
Tel: 3808-2020
Temporada: 13 de Setembro a 05 de Novembro
Ingressos: 30,00 ( inteira ) e 15,00 ( meia )
60 minutos
Classificação: 12 anos
Obrigada pela crítica detalhada e bem escrita! Me deu muita vontade de assistir!!!
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