Crítica: (Um) Ensaio sobre a cegueira
"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.", disse José Saramago sobre sua tão potente obra.
O espetáculo do Grupo Galpão, sob a direção e dramaturgia de Rodrigo Portella, propõe uma vivência teatral, uma experiência que o público passa através de sensações, pensamentos e reflexões, de incômodos e perplexidade.
A cegueira existiu em vários grandes momentos da humanidade, o que nos tornou desumanos, nefastos, sujos, entregues à barbárie como estamos vivenciando agora através de ultras, extremos, falta de empatia e aceitação do outro, do diferente. O mundo é insensível quanto às migrações, gêneros, raça, taxacões, guerras, sobre territórios e povos.
Somos cegos ou nos tornamos novamente cegos. O tal do mal do leite nos olhos.
Para quem não leu o livro, o enredo trata de uma pandemia de cegueira que evolui para o caos da sociedade. Não enxergar quer dizer muita coisa. Por exemplo: celulares, telas e IA, tornam o pensamento improdutivo, quase inútil nos dias de hoje, já não vislumbramos os outros e a nós mesmos.
José Saramago ganhou o Nobel de literatura pelo conjunto da obra, em 1998, porém esse livro traz uma "visão" dolorosa do ser humano.
A dramaturgia e direção de Rodrigo Portella é impecável, a obra em si vai além de onde termina o espetáculo, mas este diz tudo e em nada diminui o ritmo do inevitável caos. Rodrigo Portella sempre traz direções sensíveis, contundentes, que tocam particularmente cada espectador. Sem dar spoiler, há cenas memoráveis, e colocar no palco pessoas comuns dá uma veracidade à difícil sensação de se estar perdido. As personagens foram muito bem escolhidas para o Grupo. A gente sai com a impressão de que não poderia ser diferente, pois as interpretações estão perfeitas.
Não vi qualquer pessoa na plateia com interesse de sair, mesmo com 2 horas e meia de espetáculo, sem intervalo. Foi, de fato, um convite à imersão com um final absolutamente apoteótico! Só vivendo, só estando presente!
O Grupo Galpão não precisa de apresentação. Falam por si os 43 anos de existência e resistência. Amei a atuação de cada um dos atores. Naturalmente, se é que se pode dizer isso... Em especial, o médico, o ladrão, a única mulher que enxerga, a moça de óculos, a sargento, o homem religioso, a mulher dele, o motorista, a criança e me desculpem se não digo os nomes, pois trata-se do Grupo Galpão, todos são extraordinários.
Após luzes e sombras, música que, ao meu gosto, queria mais, também os silêncios, ritmos e paralisação, o real nos conduz a uma certeza: olhar o que nunca vemos, aquilo que passamos batidos, a rua, os sons, as relações próximas ou distantes, mas ainda assim importantes, significa vida! O espetáculo nos convida à loucura de só enxergarmos quando não mais estamos vendo.
Estamos vivendo isso agora,. É atemporal e imprescindível.
Como saber o que não vemos? Assistam ao espetáculo! Só olhar em volta, bater palmas e cantar um grito de existência!
Serviço:
Temporada: Até o dia 14 de setembro de 2025. De quarta a sexta, às 19h. Sábados e domingos, às 17h.
Teatro Carlos Gomes, Centro.
Ingressos:
Rio Cultura: ingressosriocultura.com.br.

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