sexta-feira, 9 de dezembro de 2022



Existe dignidade na política ou há meandros sórdidos incapazes de serem superados? Trata-se de um tema universal que perpassa pelas democracias de todo o mundo e até mesmo presente em sua origem, em Atenas. Há teses que apontam que o próprio Sócrates era contra a democracia. O jornalista I.F.Stone ao escrever sobre o julgamento de Sócrates e sua condenação levanta a possibilidade da condenação ter se dado não só pelo convencimento de jovens das suas ideias, mas pelo filósofo ter se manifestado da seguinte forma:


“Acredito, e já o disse muitas vezes, que não deve o sapateiro ir além do sapato. Não creio em versatilidade. Recorro ao sapateiro quando quero sapatos e não ideias. Creio que o governo deve caber àqueles que sabem, e os outros devem, para seu próprio bem, seguir suas recomendações, tal como seguem as do médico." Claro que Sócrates se referia a conceder o leme àqueles que sabem navegar, segundo as pesquisas feitas por mais de 10 anos do autor do livro. Porém, que não se confunda que democracia e falta de dignidade na política são aliadas, ao contrário, é o que deve ser alijado.


Na obra do espanhol Ignasi Vidal nos deparamos com o questionamento sobre a dignidade na política, em um momento de extrema importância para nosso país, através de dois personagens que começaram juntos e dão sustentação a um grande partido político . Um deles, Francisco, lança-se na convenção do partido às eleições presidenciais como candidato da mudança, enquanto o outro, Alex, tem ambições de ser vice. Tudo parece, a princípio, uma reunião entre amigos no escritório do partido, mas se revelará aos poucos bem diferente de algo amistoso e, sem dar spoiler, o resultado caminha para um desfecho impactante e abjeto.


A tradução de Daniel Dias da Silva, exímio tradutor da língua espanhola, cria uma identificação imediata com o espectador. Vai conduzindo o texto original no tempo certo, dando ao espectador em pequenos goles a compreensão da dimensão do texto.


A direção também a cargo de Daniel Dias da Silva coloca um antagonismo na conduta dos personagens através de marcações contrapostas. Como num jogo, cada qual ocupando o espaço cênico diametralmente oposto ao do outro e isto confere ao embate uma linguagem simbólica entre o certo e o errado, mas sempre deixando uma nesga de dúvida até que ponto o valor, o merecimento, a elevação de fato existem naqueles personagens. O diretor propõe uma arena onde o espectador assiste pasmo aos "gladiadores". Direção primorosa e inventiva a todo instante, inclusive na solução dada à passagem de tempo.


Os atores Thelmo Fernandes e Claudio Gabriel, comemorando trinta anos de amizade com este espetáculo, expõem uma sintonia arrebatadora. Thelmo Fernandes interpreta Francisco a partir de sutilezas, de pequenos gestos, da voz mansa, porém em determinados momentos imperiosa, tudo no tempo certo de seu personagem. Ele traduz com perfeição o mistério que paira sob aquele encontro.
Claudio Gabriel, como Alex, possui uma inquietação, um ritmo acelerado interno através do tom de voz, dos gestos largos. O ator trabalha bem as fases do personagem, da aflição à ascensão, tudo com muita veracidade. Dois mestres na arte da interpretação. Vale destacar que os silêncios de cada um também são reveladores.


Quando o espectador ingressa na sala de espetáculo encontra um cenário enigmático, com casas de tabuleiro no chão e figuras geométricas que não se encaixam umas nas outras, mas que estão a querer mostrar que apesar de diferentes em cores e disposição no palco revelam sua igualdade. Este é o lindo trabalho de Natália Lana. A única ressalva diz respeito à altura das torres de pastas ou arquivos nas laterais, apenas porque em certos momentos atrapalham a visão do espectador. Mas, sem dúvida, o cenário é um dos pontos altos do espetáculo, bem como a iluminação enigmática de Vilmar Olos, trazendo clímax quando necessário.


A produção é impecável. Tudo de altíssima qualidade. Um espetáculo que nos faz refletir.


"Os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são." (William Shakespeare). Simples assim.






Serviço:
Temporada: Até 18 de dezembro. Quinta-feira a domingo, às 20h.
Ingressos: R$ 7,50( Associado do Sesc ), R$ 15,00 ( meia-entrada ), R$ 30,00 (Inteira)
Local: Sesc Copacabana- Rua Domingos Ferreira, 160 - Copacabana
Informações: 2547-0156
Classificação Indicativa: 12 anos
Duração: 90 minutos






ResponderEncaminhar

Um comentário:

  1. Q crítica excelente!!! Me fez ver além do que havia percebido no espetáculo. Adorei a peça e a Crítica!

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