sábado, 22 de outubro de 2022

A Última Ata



Para bom entendedor um pingo é letra. Este dito popular retrata o que se extrai do cerne de "A Última Ata". Espetáculo que escancara os sórdidos políticos de uma cidadela estruturada em inverdades, apesar de ser um texto americano nos remete ao nosso querido Dias Gomes. Atemporal e, justo por isto, de fácil identificação , faz com que o espectador enxergue a cartilha da ganância, da corrupção, do massacre de um povo , de políticos mancomunados com o que há de pior no exercício do poder.
Somos transportados para Cerejeiras, uma cidade em que seus vereadores têm aversão às necessidades dos mais vulneráveis e são confrontados por outro vereador, recém chegado, fazendo com que toda a maracutaia que os envolve venha à tona.

O texto de Tracy Letts, originalmente "The minutes", foi indicado ao Tony Awards como melhor peça inédita montada na Broadway. O autor, que também é ator, é responsável por outro texto conhecido, "Agosto" que no cinema recebeu o nome de "Álbum de Família", interpretado por Meryl Streep, Julia Roberts e Sam Shepard.

Coube à iniciativa de José Pedro Peter traduzir, adaptar, assinar a produção artística e nos agraciar com este belo espetáculo, " A Última Ata". Sabemos que este esforço, em um período em que não há apoio governamental e fomento à cultura é admirável e merece muitos aplausos.

A direção é um capítulo à parte nesta tão bem sucedida empreitada. Na montagem brasileira a camara dos vereadores, em razão de forte chuva, foi interditada e toda a ação se passa no Teatro Municipal. Há aqui um passeio pela metalinguagem , o Teatro dentro do Teatro e a "encenação" ou farsa dos vereadores dentro da cena teatral. Uma sacada genial porque nada mais teatral, entre aspas, do que a atitude destes vermes políticos, como temos tido vários exemplos no cenário nacional. Além disso, a direção coloca todos os atores no mesmo tempo e espaço atuando sem parar em incontáveis minúcias. A vida como ela é. Sem tirar nem pôr. Há nuances em cada personagem para quem o espectador volte seu olhar. Isto confere uma dinâmica impressionante. Todos são participativos e atuantes "full time". Victor Garcia Peralta é um diretor criativo, profundo e sabe trabalhar seus atores. É daqueles diretores que dispensa toda a atenção ao trabalho do ator e, com isso, consegue extrair uma veracidade ímpar de cada um.

No elenco estão Alexandre Dantas, Alexandre Varella, Analu Prestes, Ary Coslov, Debora Figueiredo, Dedina Bernardelli, Leonardo Netto, Marcelo Aquino, Mario Borges, Roberto Frota e Thiago Justino.
Difícil falar da atuação de cada ator. Todos excelentes. Todos com suas bases no Teatro. 
Todos brilham, cada um em seu momento. Gostaria de destacar o elenco feminino com a atuação sempre impressionante de Analu Prestes como uma das vereadoras mais antigas e conservadoras, verbalizando com toda convicção absurdos. Dedina Bernadelli interpretando perfeitamente a servidora pública que honra sua função e Debora Figueiredo que traz o humor necessário ao espetáculo através de uma personagem à beira de um ataque de nervos. Gostaria igualmente de destacar o excepcional trabalho de dois grandes atores, Mario Borges e Ary Coslov, responsáveis pela condução e revolução do espetáculo, além de Alexandre Varella que confere humanidade ao seu personagem, o vereador questionador Amadeu.
 
Na parte técnica, destaco a sonoplastia de Andrėa Zeni que dá um colorido às cenas fazendo uma leitura perfeita. O cenário de Julia Deccache, os figurinos de Tiago Ribeiro e a iluminação de Ana Luzia de Simoni são bem adequados.

Não deixem de assistir "A Última Ata ". Estamos urgentemente precisando enxergar os meandros nefastos da política sem escrúpulos.


Serviço:

Teatro das Artes - Rua Marquês de São Vicente, 52 - Shopping da Gávea, segundo piso - Loja 264 - Gávea Telefone: 2540-6004
Temporada: até 13 de novembro. Sextas e sábados, às 21h e domingos, às 20h
Ingressos: Sexta( R$ 80,00) / Sábado e Domingo ( R$ 90,00 )
Duração: 90 minutos
Classificação indicativa: 12 anos




Um comentário:

  1. Achei a crítica muito contundente, pois assisti a peça, e realmente estão presentes todas essas referências. Vale muito a pena. Parabéns pelo texto.🤩

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