terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Júlia E O Lobo: Um Despertar Feminino

 

O espetáculo Júlia E O Lobo: Um Despertar Feminino, escrito em 1991, por Lindemberg Monteiro, também diretor da versão online, busca através da paixão da mulher por um lobo que encontra na floresta, uma reflexão sobre temas representativos do universo feminino.

A trama contada por três bruxas já é em si uma abordagem da misoginia, na medida em que ao contrário de como é retratada atualmente, desde tempos idos a bruxaria  ou o mal foi atribuído às mulheres, culminando com a famosa caça às bruxas. É fato que as mulheres foram muito mais associadas às feitiçarias do que homens, como se extrai da obra “História da Bruxaria: Feiticeiras, Hereges e Pagãs”, de Jeffrey B. Russell e Brooks Alexander.

As bruxas Eulália, Sosmara e Abigail vão contextualizando o destino de Júlia que ao se apaixonar pelo lobo desenvolve instintos e uma percepção mais apurada, libertando sua sexualidade até o momento em que entra em cena a caçadora de lobos, Helena,  figura representativa da caça à liberdade feminina. Desde o patriarcado, a libertação feminina foi cerceada, culminando nos dias atuais com o constante aumento do feminicídio, tema igualmente abordado no texto através da metáfora final.

O texto contém muitas alegorias e simbologias. Porém, um pouco excessivas fazendo com que o espetáculo não flua mais naturalmente, o que de maneira alguma chega a comprometer sua inegável qualidade.

A direção é muito hábil ao dividir em três espaços a sala de vídeo, cada qual ocupado por uma das bruxas, o que abre o olhar do espectador, dividido nos planos em que as ações ocorrem sem cessar, em distintos cenários e uma iluminação muito certeira.

As atrizes, em um trabalho exigente no que diz respeito ao volume e profundidade do texto, atuam explorando as matizes das personagens, sendo muito responsáveis pelo feliz resultado do espetáculo. Kenny Alberti, Alline Ferreira e Maggie Schneider imprimem através do timbre da voz e do gestual a languidez, a sensualidade, o instinto, a complexidade e a força de suas personagens. Um elenco, sem dúvida, afinadíssimo.

Por fim, a beleza da música tema de Flora Menezes e Lindemberg Monteiro é incontestável.

 

Júlia E O Lobo: Um Despertar Feminino é um espetáculo criativo, profundo, relevante e fundamental nesta temporada.

 

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário