Um dos melhores textos dessa temporada, O Anjo do
Apocalipse, de Clovis Levi, é capaz de apresentar a árabe da Palestina Zahra e
o judeu Eliakim num misto de amor e ódio, que poderia facilmente conduzir o
espectador a um posicionamento no conflito que assola o Oriente Médio, mas não
o faz. A dimensão do texto justamente reside no fato de mostrar que, através de
várias vidas, os personagens sempre estiveram em lados opostos e apesar de
existir amor nunca houve paz entre eles.
Levi, desmistificando as histórias únicas propagadas
pelas diversas religiões que enfatizam as diferenças, ao invés das semelhanças, profetiza que caminhamos todos, de mãos dadas, para o apocalipse. Isso nos faz
pensar na frase da escritora nigeriana Chimamanda Adichie:
“História única rouba das pessoas sua dignidade. Faz o
reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil. Enfatiza como nós
somos diferentes, ao invés de como somos semelhantes.”
Essas diferenças são apresentadas no texto desde os primórdios
do Antigo Testamento e se tem, ao final, a impactante constatação de que a
humanidade vem entrando em processo de falência que só acabará, na melhor das
hipóteses, quando finalmente chegar uma
nova era, como dito de forma poética pelo Anjo:" Em algum tempo ainda
muito distante, descerá dos céus uma Cidade Nova - uma santificada Jerusalém. O
sol surgirá da negritude. Mas, até lá, a voz de harpistas, a voz de violinos, a
voz de tocadores de flautas e de clarins, jamais, jamais em ti se ouvirá.".
Outro ponto alto da dramaturgia é colocar no texto dito
pelos atores a narração de ações e até mesmo da voz interior de cada um deles.
Isso foi muito bem desenvolvido pela direção de Marcus Alvisi, pois a cena, a
contracena e a narração se dão sem quebras ou interrupções elevando a tensão
das situações que vão surgindo, rompidas com o humor, ironia e deboche do anjo
numa interpretação marcante de Marcello Escorel. O diretor conseguiu extrair
todas as atmosferas possíveis, desde o apedrejamento da mãe de Zahra, diga-se
de passagem, numa interpretação emocionante da atriz Juliane Araújo, aplaudida
em cena aberta, até os momentos de entrelaçamento de extremo ódio e não menos
amor do casal. Destaque para a poética cena dos pirilampos e do massacre numa
apresentação de violino do personagem Eliakim, interpretado com força e
sensibilidade por Daniel Dalcin. O diretor Marcus Alvisi também assina a linda
trilha sonora, em parceria com Joel Tavares.
A iluminação de Aurélio de Simoni é inspirada, compondo
as cenas de forma arrebatadora. A cenografia de José Dias é profundamente adequada
e quanto menos elemento em cena, mais se agiganta, pois dá à direção as
múltiplas possibilidades de utilização. Maria Duarte, através de figurinos
compostos por bases simbólicas como botas, calça camuflada e jaqueta, sobrepõe
outros adereços que ilustram os diferentes momentos por que passam as cenas.
O
Anjo do Apocalipse, sem dúvida, é um espetáculo que dá um belo recado e convida a todos a uma reflexão necessária. Como escreve Clovis Levi no
programa da peça: " Quem sabe se, ao vivenciar o horror causado pelos
acontecimentos na Palestina, isso ajude o brasileiro a refletir com mais
consciência sobre o valor da vida e sobre o direito que cada cidadão tem de
acreditar em seus princípios e em lutar civilizadamente na defesa deles.".
O Anjo Do Apocalipse
Temporada: de 07 de setembro a 07 de outubro
Local: Teatro Ipanema: Rua Prudente de Morais, 824 - Ipanema Tel: 2267-3750
Horário: Sexta, Sábado e Segunda, às 20h e Domingo, às 19h
Ingressos: R$ 60,00 ( Inteira ), R$ 30,00 ( Meia )
Classificação Indicativa: 14 anos
Duração: 90 minutos
Gênero: Drama
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