terça-feira, 24 de setembro de 2019

O Anjo Do Apocalipse

Um dos melhores textos dessa temporada, O Anjo do Apocalipse, de Clovis Levi, é capaz de apresentar a árabe da Palestina Zahra e o judeu Eliakim num misto de amor e ódio, que poderia facilmente conduzir o espectador a um posicionamento no conflito que assola o Oriente Médio, mas não o faz. A dimensão do texto justamente reside no fato de mostrar que, através de várias vidas, os personagens sempre estiveram em lados opostos e apesar de existir amor nunca houve paz entre eles.

Levi, desmistificando as histórias únicas propagadas pelas diversas religiões que enfatizam as diferenças, ao invés das semelhanças, profetiza que caminhamos todos, de mãos dadas, para o apocalipse. Isso nos faz pensar na frase da escritora nigeriana Chimamanda Adichie:
“História única rouba das pessoas sua dignidade. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil. Enfatiza como nós somos diferentes, ao invés de como somos semelhantes.”

Essas diferenças são apresentadas no texto desde os primórdios do Antigo Testamento e se tem, ao final, a impactante constatação de que a humanidade vem entrando em processo de falência que só acabará, na melhor das hipóteses,  quando finalmente chegar uma nova era, como dito de forma poética pelo Anjo:" Em algum tempo ainda muito distante, descerá dos céus uma Cidade Nova - uma santificada Jerusalém. O sol surgirá da negritude. Mas, até lá, a voz de harpistas, a voz de violinos, a voz de tocadores de flautas e de clarins, jamais, jamais em ti se ouvirá.".

Outro ponto alto da dramaturgia é colocar no texto dito pelos atores a narração de ações e até mesmo da voz interior de cada um deles. Isso foi muito bem desenvolvido pela direção de Marcus Alvisi, pois a cena, a contracena e a narração se dão sem quebras ou interrupções elevando a tensão das situações que vão surgindo, rompidas com o humor, ironia e deboche do anjo numa interpretação marcante de Marcello Escorel. O diretor conseguiu extrair todas as atmosferas possíveis, desde o apedrejamento da mãe de Zahra, diga-se de passagem, numa interpretação emocionante da atriz Juliane Araújo, aplaudida em cena aberta, até os momentos de entrelaçamento de extremo ódio e não menos amor do casal. Destaque para a poética cena dos pirilampos e do massacre numa apresentação de violino do personagem Eliakim, interpretado com força e sensibilidade por Daniel Dalcin. O diretor Marcus Alvisi também assina a linda trilha sonora, em parceria com Joel Tavares.

A iluminação de Aurélio de Simoni é inspirada, compondo as cenas de forma arrebatadora. A cenografia de José Dias é profundamente adequada e quanto menos elemento em cena, mais se agiganta, pois dá à direção as múltiplas possibilidades de utilização. Maria Duarte, através de figurinos compostos por bases simbólicas como botas, calça camuflada e jaqueta, sobrepõe outros adereços que ilustram os diferentes momentos por que passam as cenas.

O Anjo do Apocalipse, sem dúvida, é um espetáculo que dá um belo recado e convida a todos a uma reflexão necessária. Como escreve Clovis Levi no programa da peça: " Quem sabe se, ao vivenciar o horror causado pelos acontecimentos na Palestina, isso ajude o brasileiro a refletir com mais consciência sobre o valor da vida e sobre o direito que cada cidadão tem de acreditar em seus princípios e em lutar civilizadamente na defesa deles.".





O Anjo Do Apocalipse
Temporada: de 07 de setembro a 07 de outubro
Local: Teatro Ipanema: Rua Prudente de Morais, 824 - Ipanema Tel: 2267-3750
Horário: Sexta, Sábado e Segunda, às 20h e Domingo, às 19h
Ingressos: R$ 60,00 ( Inteira ), R$ 30,00 ( Meia )
Classificação Indicativa: 14 anos
Duração: 90 minutos
Gênero: Drama


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