domingo, 21 de abril de 2019

Recital da Onça


Certa vez, Regina Casé disse em entrevista que seus amigos, marido e filho adoram que ela leia em voz alta, segundo o filho ela faz isso tão bem que a pessoa entende tudo. Nada mais adequado que seu retorno aos palcos, após vinte e cinco anos de afastamento, esteja ocorrendo através de um recital.

“Recital da Onça”, texto de Hermano Vianna e da própria Regina é costurado a partir de uma brasileira convidada a palestrar em Harvard sobre nossa literatura, mas para ela não é uma tarefa fácil em razão de seu medo de aeroportos, da imigração americana e do frio. Através desses temores, o texto traz muitas possibilidades cômicas, além de apresentar grandes obras nacionais, já que a personagem tem a difícil missão de escolher o que irá falar em Cambridge em escassos dez minutos. A plateia, então, é convidada a participar dessa escolha. Com essa estrutura, o texto tem a dose certa de humor e de crítica, muito pertinente ao atual momento e a questões enraizadas em nossa sociedade, bem como a respeito do olhar de muitos estrangeiros sobre nós. Isso sem falar na grata experiência literária proporcionada pelo espetáculo.

A direção de Estevão Ciavatta e Hamilton Vaz Pereira coloca a atriz bem perto dos espectadores, mesmo quando não está na plateia e sim no palco. Esse é um dos grandes acertos da direção, deixá-la ao alcance de todos seja num número de plateia ou num concurso de samba (muitos espectadores sobem ao palco e participam), ou mesmo sentada num cantinho lendo um dos diversos autores. Essa intimidade é fundamental para que a personagem e seus dilemas sejam abraçados pela plateia.

Tudo na interpretação de Regina Casé soa espontâneo e por isso mesmo mais engraçado. No monólogo, a atriz parece não fazer esforço seja no humor, seja na profundidade que imprime à leitura das obras. Tarefa nada simples, pois passear por atmosferas tão distintas e com resultados muito positivos somente uma grande atriz alcança. Ela desenvolve sua personagem com a marca que lhe é característica, a naturalidade. Isso faz com que o público se sinta muito íntimo de sua personagem e crie uma empatia desde a primeira fala do texto. Mesmo quando o momento não é de humor, mas de falar sobre o medo. Sem dúvida, o retorno da atriz aos palcos vem em alto estilo.

O cenário de Luiz Zerbini é funcional, nada está ali por acaso, os objetos não existem para mostrar apenas um ambiente, mas para compor vários já que essa é a proposta do espetáculo. O figurino de Claudia Kopke é adequado, um figurino neutro e que confere liberdade aos movimentos da atriz. A linda  iluminação cria atmosferas leves e densas em grande sintonia com as diferentes fases da encenação.

O espetáculo chega ao final com Guimarães Rosa: “ Mecê sabe o que é que onça pensa? Sabe não? Eh, então mecê aprende: onça pensa só uma coisa – é que tá tudo bonito, bom, bonito, bom, sem esbarrar.” Em “ Recital da Onça”  está tudo lá, tudo bonito e bom!


Teatro Oi Casagrande ( Av. Afrânio de Melo Franco, 290 - Leblon )
Temporada : Até 12 de maio
Horário : Sextas e sábados, às 20h e domingos, às 18h
Ingressos: A partir de R$ 35,00 ( meia )
Classificação: 12 anos


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