segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Espelhos




¨O Espelho ¨ contos de mesmo nome de dois mestres da literatura nacional, Machado de Assis e Guimarães Rosa, estão reunidos nesse grande espetáculo. Literatura que após anos de pesquisa se transformou  em teatro da melhor qualidade. ¨Espelhos ¨é  desses espetáculos transformadores, pois o espectador não sai de lá da mesma forma  que entrou.

¨O espelho não tem culpa¨, frase  que se torna a chave para o alcance de toda a proposta da encenação. No primeiro momento, o conto de Machado de Assis apresenta Jacobina, um personagem que se reúne com amigos numa casa em Santa Teresa e relata uma experiência vivida aos vinte e cinco anos surgida em meio a muita solidão. Havia se tornado alferes e quase todos o veneravam por isso, tanto assim que ao estar só por dias não conseguia mais ver sua imagem no espelho, somente quando se vestia  de alferes. Temos aqui  um ser que perdeu sua essência para o ser social. Deixou de ser Jacobina para ser  o alferes. O crítico conto machadiano propõe uma reflexão sobre o ser humano e seus papéis sociais.

No conto de Guimarães Rosa, há a demonstração da¨inexistência¨ da aparência humana. Trata-se de uma metáfora, uma das características da obra do autor, em que toda a identidade do personagem é buscada e não alcançada, surgindo diversas formas diante dele até chegar ao ponto de nada ver. Um narrador chama o leitor- espectador de senhor e assim propõe que se acompanhe essa experiência. De fato, para o espectador é uma experiência impactante, pois em última análise, aquele personagem que busca sua verdadeira aparência consegue chegar na de um menino. Como adulto só vê imagens embaçadas. Fica no ar a pergunta: ¨Você chegou a existir?¨

Ney Piacentini  atua de forma minuciosa , com a voz modulada, ora grave, ora suave, ora projetada e uso de perfeitas pausas. Seu trabalho corporal é rico em detalhes. Como Jacobina alterna a postura do alferes com a de alguém em que o corpo padece de solidão. No segundo conto, de Guimarães Rosa, seu personagem  tem o corpo maleável, plasmático, muito apropriado para alguém que está se desfazendo, se transformando em diversos seres e objetos. Uma atuação camaleônica. Portanto, merecidíssima sua indicação ao prêmio de melhor ator  APCA.

Há um entrelaçamento entre direção, luz, interpretação e texto. As marcações são sutis deixando fluir a interpretação, criando pequenos passos, viradas de cabeça dando a ilusão de que há muitos outros personagens em cena no primeiro conto. A direção surpreende muito com a transformação das vestes que viram embrulho, da meia na mão do ator se transformando numa concha, numa colher. A movimentação do ator é extremamente bem conduzida.

Luz de velas em candelabros que depois são apagadas e passam a ser privilegiadas  as luzes de refletores no momento certo, bem como a ausência da luz, tudo enaltecendo as atmosferas das cenas. A iluminação assinada por Marisa Bentivegna acentua e valoriza cada momento do espetáculo. Ela também assina o cenário que faz a passagem do século XIX para um cenário composto por uma placa no chão que sugere um enorme espelho.

O figurinista Fábio Namatame criou uma veste adequada à época e outra que pode estar em qualquer tempo, criativas e perfeitas.

Como disse o narrador de Guimarães Rosa dirigindo-se ao leitor, no caso, aos espectadores: ¨O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja na verdade - um espelho?...¨
Sugiro que para tal, ninguém perca esse extraordinário espetáculo!



Espelhos 


Teatro Poeirinha – Rua São João Batista, 104. Botafogo.
Tel. 21 2537-8053

Estreia dia 3 de janeiro de 2019, às 21h.
Temporada: De 03/01 a 24/02/2019
Quinta a sábado às 21h; domingos às 19h
Duração: 60 minutos
Lotação: 80 lugares
Recomendação: a partir de 14 anos
Ingressos R$ 50 e R$ 25





Nenhum comentário:

Postar um comentário