¨O Espelho ¨
contos de mesmo nome de dois mestres da literatura nacional, Machado de Assis e
Guimarães Rosa, estão reunidos nesse grande espetáculo. Literatura que após anos
de pesquisa se transformou em teatro da
melhor qualidade. ¨Espelhos ¨é desses
espetáculos transformadores, pois o espectador não sai de lá da mesma forma que entrou.
¨O espelho não tem culpa¨, frase que se torna a chave para o alcance de toda a
proposta da encenação. No primeiro momento, o conto de Machado de Assis
apresenta Jacobina, um personagem que se reúne com amigos numa casa em Santa
Teresa e relata uma experiência vivida aos vinte e cinco anos surgida em meio a
muita solidão. Havia se tornado alferes e quase todos o veneravam por isso,
tanto assim que ao estar só por dias não conseguia mais ver sua imagem no
espelho, somente quando se vestia de
alferes. Temos aqui um ser que perdeu
sua essência para o ser social. Deixou de ser Jacobina para ser o alferes. O crítico conto machadiano propõe
uma reflexão sobre o ser humano e seus papéis sociais.
No conto de Guimarães Rosa, há a demonstração da¨inexistência¨ da aparência humana. Trata-se de uma metáfora, uma das características
da obra do autor, em que toda a identidade do personagem é buscada e não
alcançada, surgindo diversas formas diante dele até chegar ao ponto de nada
ver. Um narrador chama o leitor- espectador de senhor e assim propõe que se
acompanhe essa experiência. De fato, para o espectador é uma experiência
impactante, pois em última análise, aquele personagem que busca sua verdadeira
aparência consegue chegar na de um menino. Como adulto só vê imagens embaçadas.
Fica no ar a pergunta: ¨Você chegou a existir?¨
Ney Piacentini atua de forma minuciosa , com a voz modulada,
ora grave, ora suave, ora projetada e uso de perfeitas pausas. Seu trabalho
corporal é rico em detalhes. Como Jacobina alterna a postura do alferes com a
de alguém em que o corpo padece de solidão. No segundo conto, de Guimarães
Rosa, seu personagem tem o corpo
maleável, plasmático, muito apropriado para alguém que está se desfazendo, se
transformando em diversos seres e objetos. Uma atuação camaleônica. Portanto,
merecidíssima sua indicação ao prêmio de melhor ator APCA.
Há um entrelaçamento entre direção, luz, interpretação e
texto. As marcações são sutis deixando fluir a interpretação, criando pequenos
passos, viradas de cabeça dando a ilusão de que há muitos outros personagens em
cena no primeiro conto. A direção surpreende muito com a transformação das
vestes que viram embrulho, da meia na mão do ator se transformando numa concha,
numa colher. A movimentação do ator é extremamente bem conduzida.
Luz de velas em candelabros que depois são apagadas e
passam a ser privilegiadas as luzes de
refletores no momento certo, bem como a ausência da luz, tudo enaltecendo as
atmosferas das cenas. A iluminação assinada por Marisa Bentivegna acentua e
valoriza cada momento do espetáculo. Ela também assina o cenário que faz a
passagem do século XIX para um cenário composto por uma placa no chão que
sugere um enorme espelho.
O figurinista Fábio Namatame criou uma veste adequada à
época e outra que pode estar em qualquer tempo, criativas e perfeitas.
Como disse o narrador de Guimarães Rosa dirigindo-se ao
leitor, no caso, aos espectadores: ¨O senhor, por exemplo, que sabe e estuda,
suponho nem tenha ideia do que seja na verdade - um espelho?...¨
Sugiro que para
tal, ninguém perca esse extraordinário espetáculo!
Espelhos
Teatro Poeirinha – Rua São João Batista, 104. Botafogo.
Tel. 21 2537-8053
Estreia dia 3 de janeiro de 2019, às 21h.
Temporada: De 03/01 a 24/02/2019
Quinta a sábado às 21h; domingos às 19h
Duração: 60 minutos
Lotação: 80 lugares
Recomendação: a partir de 14 anos
Ingressos R$ 50 e R$ 25

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